Título: O que aconteceu com a Índia?
Autor: Rajan , Raghuram
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2012, Opinião, p. A19

Os mercados emergentes em todo o mundo - Brasil, China, Índia e Rússia, para citar os maiores - estão desacelerando. Uma das razões é que continuam dependentes, direta ou indiretamente, das exportações para países industriais avançados. O lento crescimento nesses países, especialmente na Europa, é economicamente depressivo.

Mas uma segunda razão é que cada um desses países tem pontos fracos importantes, que não superaram nos bons tempos. Para a China, é sua dependência excessiva de investimento de ativos fixos para crescer. No Brasil, a baixa poupança e vários impedimentos institucionais mantêm os juros elevados e os investimentos baixos, ao passo que o sistema educacional não atende bem partes significativas da população. E a Rússia, apesar de uma população com muito bom nível educacional, continua dependente de setores de commodities para o crescimento econômico.

É mais difícil entender por que a Índia exibe um desempenho tão inferior a seu potencial. Com efeito, o crescimento do PIB anual indiano caiu cinco pontos percentuais desde 2010. Para um país tão pobre, nem seria preciso fazer alguma força para crescer. Trata-se, principalmente, de disponibilizar bens públicos: infraestrutura básica, como estradas, pontes, portos e energia, bem como acesso a educação e serviços básicos de saúde. E, diferentemente de muitos países igualmente pobres, a Índia já tem uma classe empresarial muito forte, uma classe média razoavelmente grande e bem educada, e um número de empresas de classe mundial que pode ser engajada no esforço de fornecimento desses bens públicos.

As famílias indianas passaram a investir em ouro, o que contribuiu para um enorme déficit em conta corrente. Isso esfriou o entusiasmo dos investidores estrangeiros pela história de êxito da Índia, tendo a rúpia caído significativamente nas últimas semanas.

Quando a Índia acabou com o estupidificante "Reino da Burocracia" na década de 1990, sucessivos governos compreenderam o imperativo do crescimento econômico, tanto foi assim que o Bharatiya Janata Party (BJP) disputou a eleição de 2004 com uma plataforma pró-desenvolvimento, encapsulado no slogan, "Índia Radiante". Mas a coalizão liderada pelo BJP perdeu a eleição. Se o fracasso foi reflexo da escolha do parceiro de coligação pelo BJP ou sua ênfase em crescimento quando muitos indianos não se beneficiaram com isso, a lição que ficou foi de que o crescimento não rende recompensas eleitorais.

De todo modo, aquela eleição mostrou que era necessário disseminar os benefícios do crescimento nas áreas rurais e entre os pobres. Há duas maneiras de fazer isso. A primeira, mais difícil e demorada, reside em aumentar a capacidade de geração de renda nas áreas rurais e entre os pobres, melhorando o acesso à educação, saúde, finanças, água e energia. A segunda é ampliar o poder de compra dos eleitores por meio de subsídios e transferências populistas, que normalmente tendem a ser direcionados para os politicamente influentes, em vez de ir para os necessitados.

Nos anos que se seguiram à derrota do BJP, com poucas e notáveis exceções, a classe política indiana decidiu que o populismo tradicional era uma rota mais segura para reeleger-se. Essa percepção também ajustava-se bem à baixa expectativa do eleitor mediano (geralmente pobre) em relação ao governo na Índia - encarando-o mais como fonte de dádivas esporádicas e não como prestador de serviços públicos de confiança.

Durante alguns anos, o impulso criado pelas reformas anteriores e o forte crescimento mundial levaram a Índia adiante. Os políticos viram pouca necessidade de votar novas reformas, especialmente aquelas que perturbariam os poderosos interesses estabelecidos. A guinada rumo ao populismo foi reforçada quando o Congresso, liderado pela Aliança Progressista Unida, concluiu que um esquema de garantia de emprego rural e um perdão a dívidas contraídas em empréstimos agrícolas de caráter populista contribuiu para sua vitória nas urnas na eleição de 2009.

Mas, enquanto os políticos gastavam os dividendos do crescimento em concessões mal focadas, como subsídios à gasolina e ao gás de cozinha, as necessidades de novas reformas só aumentaram. Por exemplo, a industrialização exige um sistema transparente de aquisição de terras pertencentes a agricultores e aos povos indígenas, o que por sua vez pressupõe a existência de registos de propriedade de terras muito melhores do que os existem realmente na Índia.

Como a demanda por terra, os preços cresceram, a corrupção tornou-se galopante, e alguns políticos, industriais e burocratas aproveitaram a ausência de transparência na documentação de propriedade e no zoneamento de terras para desviar bens. As elites corruptas indianas, que antes controlava a emissão de certificados de propriedade, passou a especular novos recursos valiosos, como a terra. O Reino dos Recursos Naturais surgiu das cinzas do Reino da Burocracia.

A sociedade indiana finalmente reagiu. Um eclético elenco de idealistas e ONGs mobilizou a sociedade contra as compras de terras. Depois que jornalistas investigativos passaram a cobrir os fatos, a aquisição de terras tornou-se uma mina terrestre política.

Além disso, instituições cruciais como a Controladoria e Auditoria Geral e o judiciário, formados por uma classe média cada vez mais indignada, também iniciou investigações. Com o surgimento de evidências de corrupção generalizada em contratos e alocação de recursos, ministros, burocratas e altos executivos empresariais foram presos e alguns passaram longos períodos na prisão.

O efeito colateral, porém, é que mesmo funcionários honestos agora estão muito amedrontados e evitam ajudar as empresas a navegar o labirinto burocrático indiano. Em consequência, houve uma paralisação no desenvolvimento de projetos industriais, de mineração e infraestrutura.

Gastos governamentais populistas e a incapacidade do lado da oferta, na economia, de manter seu ritmo, produziram uma inflação elevada, ao passo que as famílias indianas, preocupadas porque nenhum ativo parecia seguro, passaram a investir em ouro. Como a própria Índia não produz muito ouro, essas compras têm contribuído para um déficit em conta corrente anormalmente grande. Não foi necessário muito mais do que isso para esfriar o entusiasmo dos investidores estrangeiros pela história de êxito da Índia, tendo a rúpia caído significativamente nas últimas semanas.

Tal como acontece em outros grandes mercados emergentes, o destino da Índia está em suas próprias mãos. Tempos difíceis tendem a concentrar as mentes. Se os políticos puderem dar alguns passos para mostrar que são capazes de deixar de lado seus estreitos interesses partidários para estabelecer o governo mais transparente e eficiente necessário a um país de renda média, eles poderiam reenergizar rapidamente os enormes motores indianos de crescimento potencial. Caso contrário, a juventude indiana, frustradas suas esperanças e ambições, poderá decidir tomar a questão em suas próprias mãos. (Tradução de Sergio Blum).