Título: O embate agora será com aliados
Autor: Jeronimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 01/11/2010, Política, p. 8

Partidos que apoiaram Dilma nas eleições começam a emitir a fatura da parceria. Querem cargos estratégicos em órgãos que movimentam R$ 700 bilhões por ano

Ainda no calor da comemoração pela vitória, a presidente eleita Dilma Rousseff (PT) terá que sentar com representantes dos partidos que a apoiaram para fatiar cargos importantes de empresas e bancos públicos, agências e departamentos. Antes mesmo da proclamação do resultado, os interesses dos aliados tinham endereço certo. Alguns pressionam para continuar em postos conquistados durante o governo Lula, outros argumentam que saíram maiores das urnas e, por isso, têm poder para barganhar mais espaço. Os 15 principais postos em discussão na Esplanada e nas autarquias movimentam mais de R$ 700 bilhões por ano, entre recursos do Orçamento e investimentos de empresas privadas.

Integrantes do partido do vice-presidente Michel Temer (PMDB) pleiteiam se espalhar em direção à área econômica. O alvo são os bancos públicos. O secretário-geral do partido, deputado Mauro Lopes (MG), defende a maior utilização da estrutura do Banco do Brasil para desafogar a Caixa. A Caixa está com tanta incumbência que não está dando conta. Poderíamos dividir o trabalho: o Banco do Brasil ficaria com a parte de liberar financiamento para equipamentos e a Caixa, com a parte de obras, pois tem um bom plantel de engenheiros, projeta o secretário-geral.

Mas o PMDB quer mais. Além de lutar para manter o controle de órgãos ligados à comunicação, como os Correios, o setor de infraestrutura interessa ao partido. O problema é que a área pertence atualmente ao PP e ao PR. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) é a noiva cobiçada. Isso porque tem orçamento anual de R$ 14 bilhões e a responsabilidade de inaugurar, após 2011, as maiores e mais demoradas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Apesar da movimentação, o PMDB corre o risco de perder espaço para o PT em áreas como a Defesa e a Saúde, analisa o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG). O petista observa que o diferencial da participação do partido no governo Dilma será a substituição de nomes técnicos por quadros políticos. O PMDB é um partido grande. E o PT também. Não existe uma luta de bastidores. Mas a tendência é que quadros mais orgânicos assumam os cargos. Os ministros (Nelson) Jobim e (José Gomes) Temporão foram escolhas mais pessoais do presidente, não tiveram um desempenho mais orgânico, como o partido poderia querer, afirma.

Não é só o PMDB que cobrará a fatura do apoio. O PSB lembrará a Dilma que, além de ter sacrificado a candidatura de Ciro Gomes (PSB-CE) para apoiar o projeto do PT, a legenda ampliou o número de governadores, senadores e deputados federais. O partido, que comanda três pastas, quer mais duas. As preferenciais são Educação, Esportes e Trabalho, mas a sigla também gostaria de atuar no setor de infraestrutura de transportes. Nós temos muitos projetos na área de educação. Educação é interessantíssima. Esportes e Trabalho também, afirma o deputado Júlio Delgado (PSB-MG). O PSB também tenta emplacar Ciro no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o deputado Márcio França (PSB-SP) no Ministério de Relações Institucionais.

O PP já se ressente da possibilidade de perder o comando do Ministério das Cidades, mas espera ser recompensado. Ouve-se muito que o partido A e o partido B estão de olho no nosso ministério. Se houver uma troca, espero que seja para um ministério do mesmo tamanho, pois a legenda teve um crescimento, afirma o senador eleito Ciro Nogueira (PP-PI).

OS PREFERIDOS

Confira onde estão os principais cargos que serão disputados pelos aliados de Dilma

AGROPECUÁRIA, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO Órgão - Dinheiro movimentado anualmente Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) - R$ 1,7 bilhão Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) - R$ 1 bilhão Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) - R$ 3 bilhões

COMUNICAÇÕES Órgão - Dinheiro movimentado anualmente Correios - R$ 500 milhões Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) - R$ 1 bilhão

TRANSPORTE E DEFESA Órgão - Dinheiro movimentado anualmente Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) - R$ 14 bilhões Valec - R$ 2,3 bilhões Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) - R$ 2,2 bilhões Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) - R$ 410 milhões

ÁREA ECONÔMICA Órgão - Dinheiro movimentado anualmente Banco da Amazônia - R$ 1,8 bilhão em ativos financeiros Banco do Brasil - R$ 350 bilhões em ativos financeiros Banco do Nordeste - R$ 30 bilhões em ativos financeiros Caixa Econômica Federal - R$ 150 bilhões em ativos financeiros Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - R$ 135 bilhões

SAÚDE Órgão - Dinheiro movimentado anualmente Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) - R$ 662 milhões

PETRÓLEO Órgão - Dinheiro movimentado anualmente Agência Nacional de Petróleo (ANP) - R$ 3,1 bilhões

Tranquilidade na Câmara e no Senado

Bertha Maakaroun

Com uma base de apoio consistente de 311 deputados federais e 50 senadores 60% e 62% das casas, respectivamente , a presidente eleita Dilma Rousseff (PT) não deverá ter problemas de governabilidade. Com o suporte apenas dos 10 partidos que compuseram formalmente a sua coligação majoritária (PT, PMDB, PR, PSB, PDT, PSC, PCdoB, PRB, PTC e PTN), dos quais nove conquistaram representação na Câmara e oito no Senado, Dilma terá sustentação para aprovar, inclusive, emendas constitucionais, para as quais é necessário o quorum qualificado de três quintos.

A esses apoiadores somam-se partidos que racharam durante a campanha, como o PP, o PV e o PHS, ou mesmo que integraram a coligação formal de José Serra (PSDB), como o PTB, o PMN e o PTdoB, mas sem tradição oposicionista não optarão pelo embate político. Eles contam com 91 parlamentares 18% da Câmara e 10 senadores 26% do Senado.

O núcleo do enfrentamento do governo ficará por conta de três dos seis partidos que integraram a coligação majoritária de José Serra: PSDB, DEM e PPS. A esses se unirá o PSol. A oposição somará 111 deputados federais 22% da Câmara e 21 senadores 12% do Senado. A oposição será dura e consistente, diagnostica Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). O embate do núcleo duro da oposição com o governo justifica-se porque esses partidos não ocuparão nem indicarão cargos na administração e terão de enfrentar a fila institucional para liberação de verbas.

Se por um lado a correlação de forças políticas no Congresso será favorável a Dilma, por outro é preciso avaliar como a presidente se sairá no campo da negociação política. Ainda não a conhecemos como líder político. Foi técnica, ministra e gestora eficiente. Mas não sabemos qual é a sua capacidade de composição, avalia o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Para ele, a relação de Dilma com o PT poderá ser complicada, uma vez que, diferentemente de Lula, a presidente não tem o comando do partido.