Título: Desastre do metrô aprofunda desgaste da relação Serra e Alckmin
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2007, Política, p. A7

Considerada por Geraldo Alckmin como a linha mais importante do sistema metroviário de São Paulo, a linha 4 - Amarela, onde aconteceu o desabamento de parte do canteiro de obras, deve gerar ao ex-governador a pior recordação de seus seis anos à frente do Estado. O governo de seu sucessor, José Serra (PSDB), sinaliza desde já que não arcará com o ônus político do desastre. Ontem, o vice-governador Alberto Goldman, secretário de Desenvolvimento, atacou a forma de condução da obra e os métodos de engenharia.

O recado dado por Goldman explicita que o governo Serra cobrará a punição dos culpados - ainda que implique em desgaste político com Alckmin. "É responsabilidade de um processo de engenharia que foi adotado desde o começo até o fim", disse. As obras foram iniciadas na gestão anterior e o presidente do metrô, Luiz Carlos Frayze David, foi mantido no cargo. "De quem é a responsabilidade individual, pessoal ou de empresas, é a investigação que vai dizer", afirmou ontem. O vice disse que o governo não vai cancelar o contrato da obra com o consórcio Via Amarela, mas cobrou a apuração dos fatos. "Os responsáveis têm que pagar. Pagar do ponto de vista moral, financeiro e do político, mas a cidade não deve sofrer com a paralisação de uma obra tão importante, que está atrasada uns 30 anos".

Pelo menos sete pessoas morreram com o desabamento, na zona oeste de São Paulo. Ontem foi localizado o segundo corpo. Pelas estimativas da Defesa Civil, 55 casas foram interditadas e 132 pessoas foram retiradas do local. A prefeitura colocou 500 funcionários para trabalhar na remoção dos escombros e no auxílio às vítimas.

O Consórcio Via Amarela, que constrói a linha 4, responsabilizou a chuva das últimas semanas pelo desabamento. O consórcio é liderado pelas construtoras Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. Não foi a primeira vez que um acidente aconteceu no local. Em dezembro de 2005, um desabamento danificou pelo menos seis imóveis. Na época, a justificativa dada foi a mesma: chuva e a composição do terreno, com solo instável.

O vice-governador contestou a versão do consórcio. "O grande volume de chuvas é previsível também. Qualquer episódio, em que há uma tragédia desse tipo, há uma responsabilidade, do processo feito, da engenharia do processo. A engenharia falhou", disse Goldman, que é engenheiro e já foi secretário de Transportes.

Em 2004, o cronograma da obra dava indícios de que a construção não ficaria pronta antes das eleições de 2008. A linha, considerada estratégica por fazer ligação com as linhas azul, verde e vermelha da cidade, daria visibilidade ao PSDB na campanha política. Em dezembro daquele ano, o metrô já estudava mudar a técnica construtiva, para conter gastos. Na campanha pela Prefeitura de São Paulo, Serra prometeu destinar recursos para a obra, mas nem assim ela seria entregue a tempo das eleições. Na tentativa de agilizar a obra, o governo adotou o modelo de preço fechado, que dá mais autonomia à empreiteira e deixou de lado o sistema de preço unitário, onde tudo tem de ser examinado e aprovado pelo governo - porque cada mudança pode gerar custos.

O atraso nas obras também foi criticado por Goldman. "Todas essas obras feitas em cidades como São Paulo têm muita urgência. Urgência não quer dizer pressa. Em São Paulo, estamos com um atraso no metrô de 30 anos, mais ou menos. Portanto, todas as obras que estão sendo feitas hoje já deveriam estar prontas há muito tempo, o que significaria um custo muito menor para a cidade, se isso tivesse sido feito no momento que deveria, como muitas outras cidades do mundo fizeram", criticou.

O ex-governador Geraldo Alckmin não quis se manifestar sobre o assunto, nem o ex-secretário de Transportes Metropolitanos Jurandir Fernandes. Suas assessorias informaram que apenas o presidente do Metrô se pronunciaria, mas ele também evitou a imprensa.

Nesse desgaste entre os tucanos, o político que melhor tem aproveitado a situação é o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PFL). Ele foi o primeiro a chegar no local do desabamento e tem se exposto publicamente, falando várias vezes por dia com a imprensa e mostrado-se mostrado solidário com a população. Ontem, em coletiva antes da abertura da feira Couromodas, Kassab declarou que "confia totalmente nas ações do metrô, do governo do Estado".

Na Assembléia Legislativa, o PT já anunciou que pedirá a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar os métodos de construção e as condições de segurança dos trabalhadores da obra. Na segunda-feira, quando os deputados voltam à atividade legislativa, o petista Simão Pedro deverá buscar assinaturas para dar entrada no pedido de investigação. No Legislativo, a linha 4 é objeto de inquérito de outro pedido de CPI, juntamente com a linha 2, mas durante a gestão de Geraldo Alckmin, nenhuma comissão foi aberta na Casa. (CA)