Título: Fracasso começou há um ano
Autor: Iunes,Ivan; Mariz, Renata;
Fonte: Correio Braziliense, 01/11/2010, Política, p. 5

Derrota de José Serra nas urnas começou em 2009, quando ele e o PSDB vacilaram antes de definir quem seria o presidenciável da sigla

Enviada especial

Brasília e São Paulo José Serra admitiu, às 22h40 de ontem, uma derrota que começou a ser desenhada há quase um ano. Desde que o ex-governador paulista titubeou sobre as chances de sucesso da própria candidatura, ainda no fim do ano passado, pouco antes de decidir desafiar a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas, a segunda tentativa do tucano em chegar ao Palácio do Planalto começou a ganhar contornos de fracasso. Pressionado pelos números e pela ameaça de retorno de Lula em 2014 , Serra entendeu que, aos 68 anos, teria a chance derradeira de chegar à Presidência. Abandonou a reeleição certa ao Palácio dos Bandeirantes para tentar o cargo para o qual havia se preparado a vida inteira. Derrotado ontem, deve manter grande influência sobre os rumos do PSDB nos bastidores, mas dificilmente retornará ao papel de protagonista.

No campo da costura política, o fracasso pode ser explicado, em especial, à divisão interna na aliança em torno de Serra. Os dois principais partidos da oposição, PSDB e DEM, nunca sentaram à mesma mesa desde o início da corrida eleitoral. A centralização excessiva do comando de campanha nas mãos dos tucanos fez com que a sigla ficasse isolada na tarefa de eleger o candidato. Pelo quadro mostrado nas urnas na noite de ontem, o revés revelou-se na incapacidade de Serra em ganhar terreno nos três principais nós detectados ao fim do primeiro turno: a ampla vantagem de Dilma Rousseff (PT) no Nordeste, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro.

A estratégia de escalar o senador recém-eleito Aécio Neves (PSDB-MG) e o novo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), para visitar diversos estados serviu mais para pavimentar uma futura candidatura de ambos à Presidência do que para reduzir a vantagem da petista. Para o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), a demora do partido em escolher o presidenciável também teve contribuição decisiva para a derrota. Agora, o próximo nome do PSDB à Presidência será escolhido dois anos antes do pleito, ou seja, em 2012, anunciou Guerra.

Logo depois de votar no Colégio Santa Cruz, em Pinheiros, zona oeste da capital paulista, ao meio-dia de ontem, as primeiras pesquisas de boca de urna entregues ao tucano já apontavam a derrota. Ele assistiu ao fim da apuração na casa do secretário de Cultura paulista e colaborador da campanha, Andrea Mattarazzo. Mesmo com o resultado sendo considerado irreversível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) às 20h, ele só fez a primeira tentativa de falar com a adversária para admitir a derrota duas horas depois, quando Dilma fazia o discurso de vitória. Às 22h40, sem ter conseguido falar com a presidente eleita, ele fez o pronunciamento oficial da derrota, que durou 16 minutos. Somente depois da fala, Serra conversou com a petista.

Papel restrito Com o naufrágio do projeto de chegar à Presidência, Serra deve se inserir na oposição em papel mais restrito ao partido, semelhante ao exercido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no próprio PSDB e pelo ex-senador Jorge Bornhausen, no DEM. Os dois atuam hoje como eminências pardas nas legendas. Com o novo revés, Serra perde espaço na sigla para lideranças mais novas e com discurso moderno, como Aécio e Alckmin.

A projeção inicial de políticos tucanos é que a dupla deve ser a responsável, nos próximos anos, por imprimir um novo modelo de oposição. Além dos dois, esse processo de renovação ainda terá o suporte dos governadores oposicionistas recém-eleitos, já que, no Congresso, essas legendas ficaram ainda mais enfraquecidas. É exatamente a partir do comando nos estados que a oposição deve trabalhar, já a partir de janeiro, para conseguir um bom resultado nas eleições municipais de 2012. Somente com a eleição de um número satisfatório de prefeitos o caminho para um retorno ao Palácio do Planalto daqui a quatro anos estará pavimentado.

Além de Alckmin e Aécio, emergem das urnas como governadores claramente oposicionistas e com força no quadro político Marconi Perillo (PSDB-GO), Beto Richa (PSDB-PR) e Raimundo Colombo (DEM-SC). Diminuímos nossa posição tanto na Câmara quanto no Senado, e DEM, PSDB e PPS perderam quadros importantes nas duas Casas. Essa discrepância entre as forças é um golpe muito forte, ruim para a oposição, para o governo e até para a democracia. Os partidos terão de se refundar, moldar novos programas e novas imagens para sobreviver, opina o líder da minoria na Câmara dos Deputados, Gustavo Fruet (PSDB-PR).

CONFIANÇA ABALADA

Ullisses Campbell

São Paulo Ao meio-dia, José Serra (PSDB) votou em São Paulo e disse que estava confiante na vitória. Em discurso logo após votar, falou em alternância de poder. O tucano levou a família ao Colégio Santa Cruz, no bairro Alto de Pinheiros, além de correligionários e do governador paulista eleito em 3 de outubro, Geraldo Alckmin (PSDB). O povo vota, escolhe e decide. O que vamos fazer agora é aguardar essa decisão. O elemento fundamental é a confiança que eu sentia nas ruas, no abraço das pessoas, disse Serra, sob aplausos.

Ao votar, também em São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse que, independentemente de quem ganhasse a eleição, o PT e o PSDB deveriam começar a trabalhar por uma reforma política. Já está mais do que na hora, ressaltou. Ele também comentou as declarações de Dilma sobre a criação de alianças após as eleições para viabilizar o processo político. O governo Lula e o PT foram dinamitadores de pontes, criticou. E continuou: O governo Lula se caracterizou pela intolerância. Espero que isso mude, disse, antecipando a vitória de Dilma.

MARINA RECORRE A PROVÉRBIO

Carolina Khodr

A senadora Marina Silva (PV-AC) parabenizou, na noite de ontem, a petista Dilma Rousseff pela vitória na corrida pelo Palácio do Planalto e por ser a primeira mulher eleita para o cargo. Aquela que foi durante todo esse processo eleitoral a candidata de uma parte, a partir deste momento passa a ser a escolhida pela sociedade brasileira para, como presidente da República, representar todos nós, disse. Marina afirmou que vencer as eleições no segundo turno significa ser escolhido duas vezes, e desejou boa sorte à futura presidente citando um provérbio da Bíblia. Que ela possa ter a simplicidade das pombas e a sagacidade das serpentes, disse.

A ex-adversária de Dilma ainda refutou a possibilidade de voltar ao Ministério do Meio Ambiente. Contribuí durante cinco anos e cinco meses com o governo do presidente Lula, com conquistas e desafios importantes, mas já dei a minha contribuição. Acho que a melhor forma de contribuir agora é voltando para a sociedade e lutar pela sustentabilidade ambiental do nosso país, além do grande desafio da educação de qualidade, afirmou, acrescentando que voltará a atuar no Senado pela aprovação de projetos que considera importantes e contra os que acha nocivos, como o que pretende alterar o Código Ambiental.

Após 31 de janeiro, quando acaba seu mandato parlamentar, Marina pretende continuar atuando à frente do Instituto Democracia e Sustentabilidade. A ex-presidenciável não revelou em quem votou no segundo turno das eleições. A minha posição de ser independente foi a melhor para a democracia.