Título: Violência pode levar o PRI de volta ao poder no México
Autor: Totti , Paulo
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2012, Internacional, p. A12

A uma semana das eleições, Enrique Peña Nieto comemorou ontem sua vitória na disputa pela presidência do México. Era um comício para fechar a campanha do principal partido da oposição na capital, mas as 120 mil pessoas que lotaram o campo de futebol e as arquibancadas do Estádio Azteca já celebravam a volta ao poder, depois de doze anos, do Partido Revolucionário Institucional (PRI). "Volvemos", anunciava em letras vermelhas uma faixa a 50 metros do palanque.

Toda vestida de azul, cor do seu Partido da Ação Nacional (PAN), a governista Josefina Vázquez Mota despediu-se dos eleitores no sábado, ante um público animado mas em número insuficiente para lotar a única Plaza de Toros ainda existente na Cidade do México. Andrés Manuel López Obrador, o candidato do Partido da Revolução Democrática (PRD), de esquerda, fará seu comício final na quarta-feira e pretende colocar um milhão de pessoas no Zócalo, a grande praça central na capital mexicana.

Pouco confiáveis a princípio, as pesquisas, inclusive as de jornais e redes de televisão concorrentes, começaram a coincidir nos últimos dias e, no domingo, atribuíam a Peña Nieto entre 40% e 45% dos votos. Seus maiores rivais, López Obrador (25% a 30%) e Vázquez Mota (23% a 27%) dizem que esses dados são manipulados e desmentidos por pesquisas próprias, mas nunca as mostraram.

Ao contrário do que ocorre no conturbado mundo, não é a economia a principal motivação para que eleitores conduzam o governo a um melancólico terceiro lugar - há um quarto candidato, o engenheiro Gabriel Quadri de la Torre, do Partido Nova Aliança (Panal), próximo aos 3%.

O país vai relativamente bem: Recuperou-se da queda de 6,5% em seu PIB em 2009, consequência da crise nos Estados Unidos, que compram 80% do que o México exporta; cresceu 5,59% no ano passado e, para 2012, o Banco Central tem a otimista previsão de 3% a 4%. A inflação e a taxa de juros observam os mesmos limites: 4,5%. As reservas estão em torno de US$ 150 bilhões, e a Cidade do México, governada pelo PRD, parece limpa aos olhares de um visitante.

Ontem, milhares de ciclistas pedalavam ou corriam alegremente pelo Paseo de la Reforma, fechada aos automóveis, sem se importar com o vacilante verão de 12 a 15 graus e a altitude de 2.200 metros. Os mais de 110 milhoes de mexicanos também não parecem incomodados com o subemprego e a desocupação, crônicos, revelados pela multidão de vendedores ambulantes - de "tortillas" e "tacos" a produtos vários, importados ou pirateados - nas ruas centrais da capital ou de todo o interior.

O dado oficial de desemprego, porém, era de 4,9% em marco. Disso não se ocuparam os candidatos durante a campanha e falaram também muito pouco do Nafta, da concorrência que os produtos chineses passaram a oferecer às maquiladoras mexicanas no próprio mercado americano. Chineses, aos grupos, substituíram os japoneses nos "lobbies" e "business centers" dos hotéis. O governo sequer utilizou com fins eleitorais os expedientes de seus antecessores Carlos Salinas de Gortari e Ernesto Zedillo: elogio de americanos. "O México pratica a disciplina fiscal, coisa que nao acontece nos Estados Unidos", disse recentemente o presidente do Federal Reserve (FED) do Texas, Richard Fischer.

Os temas que monopolizaram a atenção nesta campanha foram fraude eleitoral e narcotráfico. O primeiro é recorrente, a ponto de os mexicanos de todas as colorações, até os priistas, acreditarem que, nos 70 anos em que o PRI exerceu o poder, jamais houve eleição sem fraude. E o seu adversário tradicional, o PAN, não foge à acusação. Até hoje os perredistas não se conformam com a perda das duas últimas eleições: a primeira, com Cuauhtémoc Cárdenas, para Vicente Fox, e a última, de López Obrador, para Felipe Calderón, por uma diferença de 0,56% dos votos.

Em 2006, o Instituto Federal Eleitoral (IFE), após a recontagem de urnas escolhidas por amostragem, considerou que as irregularidades constatadas não eram suficientes para a recontagem total ou anulação da eleição. Novamente candidato, o cientista político López Obrador denuncia agora a compra de votos e prevê novas fraudes, mas se protege com a convocação da militância para fiscalizar a votação em todas as urnas do país.

O PAN, como atual governante, e o PRI, como provável vencedor, ridicularizam as denúncias. "Eleição se ganha com votos, não com denúncias ou protestos", disse em bom som e voz tremida, Peña Nieto no comício de ontem. Aos 45 anos, "buena pinta", o advogado Peña Nieto é casado com a atriz de telenovelas mexicanas, Angélica Rivera, também conhecida como "La Gaviota" (gaivota). Já foi governador do Estado do México e pertence a uma antiga família priista.

Também antigo é o narcotráfico, mas esta é a primeira vez que se transforma em principal assunto de campanha. Pressionado pelos Estados Unidos, o presidente Felipe Calderón declarou guerra ao narcotráfico e, por não confiar nas polícias estaduais e na própria polícia federal, convocou Exército e Marinha para a missão (o México não tem Forca Aérea).

O que priistas e perredistas dizem é que a guerra não é solução, e mais, que Calderón a está perdendo. Pior, se as polícias eram corruptas, a corrupção parece agora penetrar nas Forças Armadas. Até generais estão presos por associação com o crime. Em verdade, o narcotráfico armado e violento, que antes só atuava praticamente ao norte do país, está agora nos 32 estados. As estimativas de mortos nessa guerra, de ambos os lados, possivelmente são exageradas, mas nenhuma delas é inferior a 60 mil.

Houve prisões importantes de chefes dos carteis, mas o mais procurado deles, Joaquín "Chapo" Guzmán, chefe do cartel de Sinaloa, continua em liberdade. Na quinta-feira, a Marinha, o governo, e até a DEA americana, cometeram um erro, inadmissível às vésperas de eleições. Anunciaram a prisão de Jesús Alfredo Guzmán Salazar, "El Gordo", herdeiro e já operador principal do bando de "Chapo".

Destaque na TV e manchete nos jornais, no dia seguinte revelou-se o fiasco. O preso não é filho de Guzmán, seu nome é Félix Beltrán León, não tem o apelido de "gordo" e trabalhava como vendedor de carros. Assessores militares americanos se enganaram ao indicá-lo äs autoridades da Marinha. E estas não conferiram as digitais.

No ano passado, ocorreu outra situação complicada. Descobriu-se que milhares de armas das mais modernas foram entregues às "tropas" do narcotráfico pelas autoridades americanas que cuidam da repressão. A operação pretendia rastrear as armas e assim chegar aos chefes do narcotráfico. Por razões não esclarecidas, o GPS ou algo parecido não funcionou. O governo mexicano não fora informado sobre a entrada dessas armas em seu território.

O PRI aproveita as trapalhadas do governo e diz que, com ele, a guerra será realmente ganha. Para isso, Peña Nieto pretende usar a experiência colombiana. Anunciou que vai contratar o general Oscar Naranjo, que comandou a Polícia Nacional da Colômbia e é tido como responsável pelo enfraquecimento das Farc e do desmantelamento dos carteis de Medellin e Cáli, além da captura de Pablo Escobar.

A esses sérios percalços, vieram somar-se outros problemas à permanencia do PAN no poder. Vicente Fox anunciou seu apoio a Peña Nieto, para evitar que o México "se transforme numa Venezuela", se López Obrador, "amigo de Chávez" chegar a Los Piños, o palácio presidencial. E a economista Vázquez Mota não tem ajudado muito. Num de seus comícios recomendou às mulheres que fizessem greve de "cúchi-cúchi" se seus maridos se negassem a votar nela. Não há noticias de crise conjugal nas famílias panistas, mas o "cúchi-cúchi" é o novo bordão dos humoristas de televisão. O PRI, enquanto isso, utiliza o poder que ainda mantém no interior do país, com o governo de 19 estados - o Pan governa em 6, o PRD em três, e em outros três há aliança PRD-Pan - e a maioria que conserva na Câmara (237 deputados num total de 451). No Senado, o Pan é maioria com 52 cadeiras num total de 114.