Título: Vencedora com um discurso pragmático
Autor: Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 01/11/2010, Política, p. 2

Na primeira fala após confirmada sua eleição, Dilma Rousseff aposta na governabilidade. Promete erradicar a miséria, firma compromissos com as liberdades religiosa e de imprensa e abre brechas para o diálogo com a oposição

Com seriedade e frieza, a presidente eleita Dilma Rousseff (PT) abriu as cartas que pretende apresentar em seu futuro governo, usando mais um tom de posse do que de vitória nas urnas em seu primeiro discurso. A emoção ficou relegada ao agradecimento a Luiz Inácio Lula da Silva, a quem atribuiu a conquista do Palácio do Planalto.

Dilma optou por retirar a emoção da fala de olho na governabilidade. A ideia é minimizar focos de hostilidade que poderá ter a partir de janeiro de 2011. Acenou para a oposição e assumiu compromissos com a estabilidade econômica, com a liberdade de imprensa e religiosa e com os direitos humanos. Prometeu nomear pessoas pelo mérito e buscou afastar-se de fantasmas do empreguismo deixados pela ex-assessora Erenice Guerra, demitida da Casa Civil sob suspeita de irregularidades.

Dilma conclamou, ainda, um grande esforço conjunto da sociedade para erradicar a miséria. Esta ambiciosa meta não será realizada pela vontade do governo. Ela é um chamado à nação, aos empresários, às igrejas, às entidades civis, às universidades, à imprensa, aos governadores, aos prefeitos e a todas as pessoas de bem. Não podemos descansar enquanto houver brasileiros com fome, afirmou.

O discurso de conciliação é o ato final de uma eleição marcada pela radicalização. Uma disputa manchada por uma campanha negativa vista somente em 1989, quando Lula disputou o segundo turno contra Fernando Collor de Mello. Por conta da agressividade nas ruas, Dilma fez um chamado aos rivais. Dirijo-me também aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada. Estendo minha mão a eles. De minha parte, não haverá discriminação, privilégios ou compadrio. Serei presidenta de todos os brasileiros e brasileiras, respeitando diferenças de opinião, de crença e de orientação política, afirmou, estabelecendo a reforma política como meta comum.

Urnas Dilma venceu José Serra por uma diferença de 12 milhões de votos: teve 56% contra 44%. Tornou-se oficialmente a mandatária do Planalto às 20h04, quando o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandowski, telefonou para anunciar oficialmente o resultado e cumprimentá-la. A diferença para o tucano foi a menor das últimas três eleições. Em 2002, Lula venceu Serra com folga de 20 milhões de votos. Quatro anos mais tarde, foram 19,4 milhões de eleitores a mais contra Geraldo Alckmin.

A menor diferença deixa o tucanato animado, sobretudo porque sai das urnas com a chefia dos principais estados. Nesse cenário, não será fácil a tarefa de diminuir o clima conflagrado das urnas nos próximos dois meses. Para o diálogo com os adversários, o governo mandará emissários para conversar com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e com o senador eleito por Minas Gerais Aécio Neves. A tarefa de reconstruir a ponte detonada na corrida eleitoral será do deputado Antonio Palocci, do ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel, e do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos.

Legitimada pelas urnas, a vitória, no entanto, não garante que o diálogo será reaberto. FHC deu sinais de que não pretende assumir o papel de pacificador. O governo Lula e o PT foram dinamitadores de pontes, sentenciou. O país que sai das eleições está dividido. Serra venceu em 11 estados: São Paulo, os três do Sul e no Centro-Oeste. Dilma ganhou em 16 estados, entre eles Minas Gerais, Rio de Janeiro e os nove do Nordeste, além do Distrito Federal.

Consultoria A presidente eleita terá a consultoria de Lula para formar seu futuro governo. O presidente será uma espécie de para-raios das insatisfações. O PMDB espera aumentar o espaço e colocar indicados em todos os cargos comissionados dos ministérios, autarquias e empresas estatais. No governo de Lula, o partido indicou seis titulares em ministérios, mas encontrou as porteiras fechadas no terceiro e quarto escalões, que continuam apinhados de petistas.

Nomearei ministros e equipes de primeira qualidade para realizar esses objetivos. Mas acompanharei pessoalmente estas áreas capitais para o desenvolvimento de nosso povo, prometeu a presidente eleita. Em outra parte do discurso, prometeu responsabilidade fiscal. Faremos todos os esforços pela melhoria da qualidade do gasto público, pela simplificação e atenuação da tributação e pela qualificação dos serviços públicos. Mas recusamos as visões de ajustes que recaem sobre os programas sociais, os serviços essenciais à população e os necessários investimentos.

O discurso com tom de frieza teve reflexo na comemoração de Dilma. Ela chegou às 22h ao hotel onde estavam militantes, fez o pronunciamento e se deslocou para se encontrar com o presidente Lula no Palácio do Alvorada. Os militantes que aguardavam na Esplanada dos Ministérios esperaram em vão para ver a presidente eleita. Ainda assim, celebraram, como Edilson Nepomuceno, 83 anos, aposentado. É a grande vitória das mulheres. Como paraibano e aos 83 anos, achei que nunca veria uma mulher eleita presidente. Tenho certeza que uma mão feminina vai ser muito promissora para o Brasil. O discurso tem respaldo em uma das falas de Dilma. Prometo honrar as mulheres brasileiras para que esse fato, até hoje inédito, se transforme num evento natural. Sim, a mulher pode, disse, numa referência ao slogan de Barack Obama: Yes, we can (Sim, nós podemos).

Colaboraram Denise Rothenburg, Igor Silveira, Ivan Iunes, Alana Rizzo e Maria Fernanda Seixas

TELEFONE SEM FIO Durante o discurso de Dilma Rousseff, o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que estava do lado esquerdo da presidente eleita em cima do palco no Naoum Plaza Hotel, recebeu um telefonema. Ele virou-se de costas para atender. Pediu para um assessor buscar papel e caneta. Do outro da linha, era o candidato derrotado do PSDB, José Serra. O governador eleito do Ceará, Cid Gomes, avisou ao presidente do PT, José Eduardo Dutra, que consentiu com a cabeça. Em seguida, Palocci transcreveu o recado do tucano e colocou no púlpito de Dilma. Ela ignorou o recado e continuou a falar sobre a participação do presidente Lula na campanha.

ANÁLISE DA NOTÍCIA O resto é consequência

Luiz Carlos Azedo

Aconteceu o que já era esperado: a petista Dilma Rousseff foi eleita presidente da República. Durante todo o segundo turno, apesar do susto inicial, manteve sua dianteira na disputa com José Serra (PSDB). Como conseguiu abrir uma vantagem estratégica na última semana de campanha, foi beneficiada também pela desmobilização de muitos eleitores de oposição que preferiram ir à praia ou curtir outras paragens. A causa já estava perdida.

Quem ganhou a eleição foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com elevados índices de popularidade e de aprovação de sua administração. Esse prestígio foi transferido maciçamente à petista, que nunca antes disputara uma eleição. Lula ganhou, quem leva é Dilma legitimamente, pelo voto nas urnas.

Dilma superou todos os obstáculos que surgiram no caminho. Enfrentou o experiente candidato tucano em vários debates sem baixar a guarda. Curou-se de um câncer que quase a tirou da eleição. Por que venceu? Ora, a correlação de forças lhe era mais favorável: economia em expansão, renda em alta, governo bem avaliado, amplo apoio das forças políticas e dos movimentos sociais. Fez campanha em céu de brigadeiro, apesar do bombardeio que sofreu. À oposição restava apenas a bandeira da ética.

E agora, o que fará? Primeiro, precisa montar sua equipe ministerial sem lotear a Esplanada. O PT, o PMDB, o PSB e os demais aliados estão de goela aberta. Segundo, organizar de forma satisfatória a sua base no Congresso, o que depende do perfil da coalizão de governo. Terceiro, realizar ajustes na política econômica para enfrentar o problema cambial, o déficit nas contas públicas e manter a inflação sob controle. O resto é consequência.