Título: Islâmico vence eleição no Egito, mas não se sabe que poder ele terá
Autor: Bradley , Matt
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2012, Internacional, p. A12

O Egito foi palco de comemorações depois que uma comissão eleitoral declarou Mohamed Mursi o primeiro presidente democraticamente eleito na história do país. Ele é o primeiro chefe de Estado muçulmano eleito pelo voto popular no mundo árabe, um momento crucial na caótica trajetória da região rumo à democracia.

A eleição de um muçulmano traz certo nervosismo para a população laica no Egito, para governos ocidentais e para poderosos vizinhos do país. Marca, ainda, o simbólico começo do fim de uma velha ordem de líderes árabes.

A eleição de um membro de uma organização que no passado era ilegal, a Irmandade Muçulmana, para liderar a nação mais populosa do mundo árabe terá repercussões por toda a região - que durante décadas foi dominada por correntes laicas de autocratas apoiados por nações ricas.

"É uma revolução contra a própria natureza de um Estado árabe que não presta contas ao seu povo", disse Fahmy Khaled, professor de história na Universidade Americana no Cairo. "Pela primeira vez, vemos a população do maior país árabe tendo voz e vez, apesar de uma feroz oposição".

Mursi, líder do partido político da Irmandade Muçulmana, ficou com 51,7% dos votos no segundo turno do pleito, realizado uma semana atrás, disse o juiz Farouq Sultan, presidente da comissão eleitoral. Derrotou por pouco o general reformado das forças aéreas e ex-membro do regime anterior, Ahmed Shafiq, que ficou com 48,3%.

Para marcar o novo começo, o juiz Sultan saudou Mursi como o novo presidente da "segunda república" do Egito.

Com o resultado do pleito oficializado, tem início uma nova era diplomática para governos ocidentais que, durante décadas, tiveram em Hosni Mubarak um baluarte contra a forte oposição islâmica que o ditador e outros autocratas volta e meia reprimiam.

A presidência de Mursi ameaça abalar um frágil equilíbrio diplomático apoiado pelos EUA. Junto com os americanos, nações petrolíferas do Golfo ajudaram a sustentar o regime laico de Mubarak, apoiado pelos militares e avalista de um tratado de paz entre Egito e Israel que trouxe certa estabilidade à volátil região.

Agora, a imagem de Mursi se preparando para assumir o cargo mais elevado no país mais populoso do mundo árabe provavelmente vai galvanizar revoltas na Síria e em Bahrein e dar gás à transição democrática em curso no Iêmen, na Líbia e na Tunísia.

O clima na capital do Egito no domingo lembrava o de quando Mubarak deixou o cargo, mais de um ano atrás. Multidões de egípcios encheram praças públicas de todo o país para pedir mudanças políticas fundamentais que, até aqui, não se materializaram. Essa multidão irrompeu em aplausos ensurdecedores quando a comissão eleitoral anunciou a vitória de Mursi.

Mursi vai assumir uma Presidência enfraquecida por mudanças constitucionais impostas pelos militares - mudanças que despiram o cargo do grosso de seus poderes. Mas o confronto entre a Irmandade Muçulmana e o regime militar parecia distante da cabeça dos egípcios no domingo à tarde. Em entrevista coletiva na sede da campanha da Irmandade, simpatizantes de Mursi davam vivas a um regime militar com o qual tinham passado meses em confronto aberto.

Pouco depois de anunciados os resultados, o marechal Hussein Tantawi ligou para Mursi para parabenizá-lo pela vitória.

Já do outro lado do Nilo, na sede da campanha de Shafiq, o clima virou abruptamente contra os generais a quem Shafiq jurara lealdade. Seus correligionários acusam a Irmandade Muçulmana de fraudar o voto e de manter refém a comissão eleitoral ao soltar, uma semana antes dos resultados oficiais, sua própria apuração dos votos.

No resto do mundo árabe, a vitória de Mursi foi recebida com mescla de entusiasmo e desânimo.

Em Israel, o gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu declarou que "Israel saúda o processo democrático no Egito e respeita os resultados da eleição presidencial. Israel espera a continuidade da cooperação com o governo egípcio sobre as bases do tratado de paz entre os dois países, o que é no interesse comum de ambos os povos e contribui para a estabilidade regional". (Colaboraram Margaret Coker, Joshua Mitnick e Lara-El Gibaly)