Título: Brasil deve ter foco em investimento e eficiência ::
Autor: Amadeo , Edward
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2012, Opinião, p. A12

A economia brasileira está dando sinais de fadiga. O governo busca estimulá-la com a expansão do crédito. Mas essa é uma estratégia arriscada se induzir ou exacerbar descompassos entre a oferta e a demanda. A experiência de outros países mostra que desses desequilíbrios podem resultar endividamento excessivo, inflação de ativos ou ociosidade. Nesse sentido, é interessante comparar o Brasil e a China, cujas experiências têm duas similaridades e duas dissimilaridades.

As similaridades são que, primeiro, ambos evitaram a crise de 2009 com forte expansão do crédito. Segundo, que as duas economias perderam o viço recentemente, mas o desemprego mantém-se bastante baixo.

A primeira dissimilaridade é que a China investiu demais e o Brasil investiu de menos. O primeiro precisa de mais consumo, e o segundo de mais investimentos. Curioso que em um país comunista não exista Estado de bem-estar social, e em uma economia de mercado, o governo seja incapaz de induzir o investimento privado. A segunda diferença é que a China parece disposta a focar nas reformas, enquanto no Brasil o governo dobrou a aposta na expansão do consumo.

Vamos induzir os investimentos e a produtividade ou só dobrar a aposta no crédito e no consumo?

Há meses espera-se por medidas de estímulo na China. Mas o governo tem resistido à tentação. Primeiro, porque não quer repetir a receita de 2009 que trouxe ociosidade e piora nas finanças públicas e dos bancos. Segundo, porque seu foco está na taxa de desemprego, que está baixa, e não no crescimento; e terceiro porque reconhece abertamente que a taxa de crescimento sustentável caiu.

Ao mesmo tempo, o governo procura colocar em prática algumas reformas fundamentais: políticas de bem-estar social, liberalização da conta de capital, redução da repressão financeira, fortalecimento do mercado de capitais, e o mais difícil, que é a diminuição do papel das empresas estatais.

No Brasil, o consumo continua indo bem. O que vai mal são os investimentos, o que parece incrível em um país estável, com bons empresários e rico em recursos escassos. O que pode estar errado?

As crises dos EUA e da Europa contribuem. A apreciação do real também, mas isso só afeta a manufatura, quando a desaceleração é mais disseminada. O último candidato da lista, que não é circunstancial, é o mau estado da infraestrutura, a baixa produtividade do trabalho e os elevados custos de produção.

O governo tem dificuldades para investir em infraestrutura. Faltam recursos devido ao excesso de transferências de renda. Mas há também restrições legais e institucionais, além do vírus da corrupção, contra o qual a presidente tem lutado, mas sem o qual o software do investimento público não roda.

Para lidar com essas restrições o governo insiste na repressão financeira com recursos do Tesouro, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), subsidiando investimentos via BNDES, a construção civil via Caixa Econômica Federal, e a agricultura via Banco do Brasil. Repressão financeira significa que os poupadores e contribuintes são obrigados a se contentar com uma combinação de retorno e risco determinados pelo governo, que, supostamente sabe onde é melhor investir.

Mas essa opção tem problemas. Primeiro, salvo em casos especiais, é uma forma ineficiente de intermediação financeira e alocação de capital. Segundo, segmenta o mercado de crédito entre os beneficiários do subsídio e a imensa maioria de empresas que se financiam no mercado. Terceiro, atrofia o mercado de capitais. Quarto, afeta a política monetária do Banco Central, elevando a taxa de juros. O resultado prático é que no lugar de incentivar a competição e a inovação com condições isonômicas, o governo privilegia os oligopólios.

Cada vez mais acionados para incentivar o investimento, as desonerações tributárias, a proteção tarifária seletiva e os índices de nacionalização formam um emaranhado de efeitos cruzados que ninguém pode dizer qual o impacto global. O certo é que produzem um sistema de incentivos que faz da eficiência uma meta secundária. Resultado, eles comprometem a eficiência produtiva e elegem beneficiários, ignorando a pluralidade silenciosa de empresas e trabalhadores que pagam o ônus de preços mais elevados e pior qualidade de insumos e equipamentos. Em resumo, os sistemas de financiamento do investimento e de incentivos setoriais são ruins para a distribuição de renda e péssimos para a eficiência e o crescimento econômico.

A fadiga da economia também aparece na combinação de atividade fraca, mercado de trabalho forte e a produtividade em desaceleração, senão caindo. Enquanto o desemprego era alto e havia excedente de recursos humanos, a produção aumentava com a sua absorção. Isso acabou, o desemprego não pode continuar a cair ao ritmo dos últimos anos sob risco de produzir aceleração da inflação ou esmagamento dos lucros.

Produtividade em baixa e salários em alta põem pressão nos custos das empresas. No setor de serviços, protegido da concorrência internacional, o aumento de custos se transmite para os preços. No setor manufatureiro, exposto à competição, não há como repassar os custos, e quem sofre são as margens de lucros. Tanto a inflação quanto o esmagamento de lucros são ruins para o investimento e o crescimento.

Enfim, cristalizou-se entre nós uma forma de induzir o investimento que talvez não esteja dando certo. Há muito para se discutir sobre o sistema de financiamento de longo prazo, as políticas tributárias e tarifárias setoriais, o modelo de investimento em infraestrutura, e os elevados custos de produção.

No final das contas, a pergunta é se iremos revisitar esses temas para desenvolver um modelo que induza os investimentos e a produtividade, ou se iremos simplesmente dobrar a aposta do crédito e do consumo.

Edward Amadeo é economista