Título: Garcia reconhece que PT negociou compra de dossiê, mas isenta Berzoini
Autor: Jayme, Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2006, Política, p. A11

O novo coordenador da campanha do presidente Lula à reeleição, Marco Aurélio Garcia, ex-assessor internacional, reconheceu ontem, na sua primeira entrevista, que petistas realmente negociaram a compra de um dossiê contra o candidato do PSDB ao governo de São Paulo, mas hipotecou apoio irrestrito ao seu antecessor, Ricardo Berzoini, chefe do grupo que praticou o crime. Garcia foi ríspido diante de perguntas mais incisivas. Ele substituiu Berzoini na noite de terça-feira.

"Quero deixar claro que isso (a substituição) não implica de maneira nenhuma qualquer suspicácia em relação ao presidente Berzoini. Muito pelo contrário, ele continua nas suas funções de presidente do partido, onde tem realizado um trabalho de excelente qualidade", defendeu Marco Aurélio Garcia.

O novo coordenador afirmou ainda que Berzoini conta com seu apreço político e pessoal, que serão demonstrados "no dia primeiro de outubro, quando ele terá o meu voto para deputado federal em São Paulo".

O novo coordenador deu claro recado de que o companheiro não será abandonado pelo Palácio do Planalto na continuidade de sua gestão à frente do PT. "A nosso julgamento, a posição do deputado Berzoini não está de maneira nenhuma fragilizada. Se depender de mim e de uma imensa maioria, ele continuará realizando seu trabalho."

A agenda de Lula não sofrerá modificações. "Depois de viajarmos ao Nordeste na semana passada, vamos agora investir no Sul e no Centro-Sul", disse o novo coordenador. A campanha, segundo ele, terminará com um grande comício em São Bernardo do Campo.

Garcia manifestou confiança na vitória, dizendo que Lula o convidou para "coordenar a sua vitoriosa campanha para presidente da República". Perguntado sobre a expectativa de haver segundo turno, o coordenador acabou indicando o desafio de governar depois desses problemas. "Nunca excluímos a realização de um segundo turno. Mas esperamos um grande resultado no primeiro turno. Nós estamos preparados para o primeiro, para o segundo e, sobretudo, para o terceiro turno, que será o de governar o país", disse.

Sobre o dossiê, Garcia, que é também vice-presidente do PT, afirma que o esquema para a compra dos documentos foi montado "à revelia do partido" e da direção nacional. "Hoje é de caráter público que pessoas já inclusive admitiram estarem envolvidas nessa operação. Repudiamos essa operação que algumas pessoas tentaram levar adiante", afirmou.

Perguntando se a campanha continuaria a manter um departamento de inteligência, Garcia foi irônico. "Esse dispositivo está suprimido. É um setor que eu nem conhecia. E pelo desempenho, se é que teve, não parece ser muito inteligente", afirmou. O coordenador não crê em prejuízos à imagem do presidente e ao desempenho dele na campanha.

No momento mais tenso da entrevista, Marco Aurélio Garcia repudiou declaração feita pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio Mello, ao "Jornal do Brasil", de que o atual episódio do dossiê é mais grave que o caso Watergate, a invasão de gabinete para escuta telefônica que levou à queda do presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, na década de 70. "É algo muito, muito pior! Não há comparação. Agora, o que temos aqui é a uma somatória de desvios de poder", disse Marco Aurélio Mello, anteontem.

Garcia respondeu, ontem: "Acho que é uma opinião de tom muito impressionista. No mínimo, eu diria que é exagerada, para não dizer que pode ter alguma conotação partidária", disse o coordenador. Questionado se o presidente do TSE estava sendo partidário, o coordenador retrucou, de forma ríspida: "Eu não estou dizendo nada, não estou dizendo nada! Estou dizendo que não me parece que caiba ao Poder Judiciário fazer avaliação de caráter qualitativo como essa". No fim, tentou amenizar o tom. "O Poder Judiciário tem à sua disposição leis para avaliar e julgar essa situação. Não estou censurando meu xará não."

Sobre o dinheiro para a compra do dossiê, Garcia afirmou: "A PF vai esclarecer de onde veio o dinheiro para essa operação".

Ontem, Ricardo Berzoini passou o dia em sua casa, em Brasília. Ele publicou uma nota dirigida à militância do PT no site do partido. No texto, o presidente do Partido dos Trabalhadores diz que "uma onda de histeria e descontrole toma conta da oposição tucano-pefelista e seus aliados nos meios de comunicação", nos últimos dias.

O dirigente diz no texto que colocou "à disposição" do presidente Lula o cargo à frente da coordenação da campanha à reeleição. Na entrevista coletiva de Marco Aurélio Garcia, porém, na manhã de ontem, o novo ocupante do posto repetiu diversas vezes que a substituição partiu de Lula. A própria nota oficial da campanha diz que o presidente "decidiu" fazer a substituição.