Título: Reunião em Paris define novos rumos
Autor: Valenti , Graziella
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2012, Empresas, p. B5

Abilio Diniz e Jean-Charles Naouri se encaram frente a frente hoje em Paris. Agora, cada um em seu novo papel. O brasileiro como acionista minoritário relevante e o Casino, de Naouri, como controlador do Grupo Pão de Açúcar, a maior rede brasileira de varejo, avaliada em R$ 20 bilhões.

A reunião foi marcada a pedido de Abilio Diniz em meados da semana passada. A condição de Naouri era de que o encontro ocorresse em Paris. Os dois não sentam juntos desde fevereiro.

O objetivo é restabelecer o diálogo para reabrir negociações. Contudo, Abilio não vai com uma proposta pronta debaixo do braço. Quer estabelecer o compromisso de que as conversas serão pragmáticas de ambas as partes daqui para frente.

As negociações anteriores estiveram contaminadas, de um lado, pelo receio de Naouri de que Abilio pudesse dificultar a passagem do controle na sexta-feira passada - o que acabou não acontecendo. Do outro, pelo desejo do empresário brasileiro de tentar manter-se próximo do negócio, buscando sua permanência com papel relevante - algo sempre presente nas negociações anteriores.

A diferença nesse encontro de hoje é que não há dúvida sobre qual a situação de cada um. Abilio Diniz sabe que o Casino é o dono efetivo do negócio.

E o Casino até se permite admitir, pela primeira vez, que não tem interesse em manter Abilio no negócio enquanto estiver insatisfeito. Pessoas próximas ressaltam que há disposição de encontrar um caminho para sua saída.

O grupo francês está ciente de que o Pão de Açúcar tem o DNA do empresário, como este frisou no discurso de sexta-feira, quando o controle do GPA foi transferido ao Casino. Abilio é o único conselheiro que dá expediente diário na empresa, num modelo de gestão de portas abertas com a diretoria - num andar em que os principais executivos trabalham juntos, sem paredes entre eles.

A separação dos sócios com a cisão da Via Varejo, empresa que reúne Casas Bahia e Ponto Frio, ainda é uma saída acalentada pelos principais envolvidos nas negociações. Naouri, contudo, mais do que nunca, tem a função de preservar o valor do Pão de Açúcar. Por isso, a menor disposição por esse modelo (ver página B4). Mas é verdade que o Brasil é o único país em que o Casino atua no ramo de eletroeletrônicos tão fortemente.

No passado, os sócios já estiveram bastante próximos de uma solução, separando a Via Varejo. O Casino avaliava o negócio em R$ 6 bilhões. Abilio, em R$ 5,5 bilhões.

Embora a saída de Abilio em dinheiro seja sempre uma alternativa, não é a solução mais provável. Isso porque, como o próprio empresário ressaltou, o que ele mais quer é garantir que pode trabalhar no que sabe pelo resto de sua vida. E isso o contrato atual já lhe proporciona, fez questão de frisar em seu discurso na assembleia de acionistas na sexta-feira. Essa possibilidade foi um de seus argumentos para dizer que o acordo com o Casino não foi ruim, apesar de lhe tirar o controle da companhia que ajudou a fundar, ao laudo de seu pai, Valentim dos Santos Diniz. O outro motivo que o deixava satisfeito era que o negócio lhe permitiu dar liquidez aos ativos do pai para que ele pudesse, em vida, dividir a herança entre os filhos.

Ou seja, se não houver acordo, Abilio pode trabalhar o restante de sua vida no Pão de Açúcar, como o próprio contrato garante com a cláusula que trata da saúde do empresário, atualmente com 76 anos.

Algo fora de cogitação para o grupo francês é que Abilio fique com as unidades das quais é dono do imóvel. São cerca de 75 unidades - 60 detidas pela holding Península e outras 15 pela família diretamente. Por elas, o Pão de Açúcar gastou cerca de R$ 180 milhões em aluguel no ano passado. Essas unidades são avaliadas em aproximadamente R$ 2 bilhões.

Ficar com essas lojas, inclusive a parte comercial, estava entre os desejos de Abilio, assim como ficar com a área de hipermercados - segmento no qual Naouri não acredita muito, um dos motivos pelo qual recusou a proposta com o Carrefour.

Apesar de sua idade e de estar passando o controle do Pão de Açúcar, o discurso de Abilio Diniz na assembleia de acionistas não era de quem encerrava um ciclo de vida, mas de quem começava outro: o de um acionista diligente à frente do conselho de administração. "Sigo (...) tendo como missão a defesa intransigente do grupo. Estando aqui não medirei esforços para atingir esse objetivo. Tudo farei para que nossos princípios e valores sejam respeitados." E fez questão de ressaltar seus talentos. "Ninguém entende mais de distribuição do que eu."

Contudo, Abilio sabe também que não terá a mesma liberdade para a tomada de decisões, como enquanto esteve como co-controlador ao lado do Casino, especialmente no período anterior aos desentendimentos.

E o empresário também tem consciência de que tem uma parte de seu investimento em ações líquidas, do Pão de Açúcar. Outra parte - a que lhe garantiu o co-controle até agora - está numa holding sem liquidez, a Wilkes. Lá está amarrado num acordo com os franceses e eles são, portanto, os únicos compradores naturais.

A valor de mercado, conforme a cotação de sexta-feira, a participação total de Abilio no Pão de Açúcar é de aproximadamente R$ 4,5 bilhões. Contudo, a fatia em Wilkes não tem uma precificação tão objetiva (ver reportagem nesta página).

É da reunião desta segunda-feira que devem sair as bases da convivência futura.

A dificuldade do diálogo entre Abilio e Naouri, conforme apontam os envolvidos nas negociações, é que o primeiro é muito emotivo nas decisões e o outro, excessivamente desconfiado.

Orientado por seus assessores, Abilio não usou a assembleia de sexta-feira para fazer um acerto de contas com o Casino. Mas também não escondeu sua insatisfação. "Devido aos acontecimentos dos últimos tempos, fui tomado por mágoas, tristezas e decepções. Injustiças e distorções da verdade me atingem mais do que agressões claras e diretas. Nega meu sofrimento seria falso e muito pouco convincente."

Já Naouri manteve a discrição na sexta-feira. Fez uma vista sem alarde ao Brasil. Teve um breve encontro com Abilio fora das reuniões que marcaram a passagem do controle para a empresa que comanda.

Ambas as partes tentaram mostrar disposição de convívio pacífico. Mas também mostraram uma parte do arsenal para uma situação de conflito. Confortável como controlador, Naouri apresentou sua resistência em diminuir o tamanho do grupo. O Abilio minoritário também já avisou que será "intransigente" quando o assunto em questão forem os valores do Pão de Açúcar - valores até hoje construídos por ele.