Título: Risco sobe 7% com "freio" nos EUA
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini e Guimarães, Luiz S.
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2006, Finanças, p. C1

A crise política brasileira ajudou. Mas, indicadores sobre a atividade econômica nos Estados Unidos surpreenderam negativamente os mercados do mundo todo. O resultado foi uma alta de 7,02% no risco-Brasil, bem na média dos países emergentes, que tiveram seus prêmios elevados em 7,04%. A Bolsa de Valores de São Paulo caiu 1,04%, com o índice Bovespa, das ações mais negociadas, chegando a 34.830 pontos, seu menor nível desde junho. Os juros futuros subiram e o dólar teve alta de 1,46%, para R$ 2,21.

A percepção de que a economia americana pode estar se desacelerando mais fortemente do que o esperado foi reforçada após a divulgação do índice que mostrou que a atividade nas fábricas da região do Meio-Atlântico dos Estados Unidos diminuiu em setembro e ficou abaixo de zero pela primeira vez desde abril de 2003. O índice de atividade empresarial caiu para -0,4, ante 18,5 em agosto. A previsão do mercado era de 14,8. Os 7.000 novos pedidos de seguro-desemprego na semana passada nos EUA também foram maiores do que as estimativas e indicam enfraquecimento na atividade.

As bolsas americanas caíram. O impacto maior, no entanto, foi no mercado de títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Os investidores correram a comprar os papéis, na certeza de que seus preços vão subir mais e os juros, que vão no sentido inverso, cair. Segundo o "Financial Times", os rendimentos dos títulos de vencimento em dez anos chegaram a seu menor nível em seis meses: 4,648% ao ano, uma redução de 0,081 ponto percentual. Os papéis de vencimento em cinco anos foram a 4,68% ao ano, com queda de 11 pontos básicos, e os de dois anos subiram a 4,76% ao ano, o que significa que a inversão na curva de juros (quando os papéis de curto prazo têm juros maiores do que os de longo prazo) se aprofundou. Quando o mercado inverte as curvas de juros, está apostando na queda dos juros básicos. Anteontem, o Federal Reserve Board, o conselho do banco central americano, decidiu manter os juros dos "Fed funds" em 5,25% ao ano pela segunda reunião consecutiva. Agora, mais investidores crêem que as taxas podem cair já na próxima reunião.

As incertezas relacionadas ao grau de desaquecimento da economia americana se somaram a perdas de US$ 6 bilhões em fundos de hedge que atuavam no mercado de commodities - com impacto em bancos de investimento - e notícias preocupantes vindas de países emergentes. O prêmio de risco dos títulos da dívida do México teve alta de 8,85%, e do Peru, de 10,69%. Mas os grandes destaques foram a Polônia, com alta de 16,95%, e a África do Sul, com 14,77%. As moedas de países com déficit em conta corrente, como a Turquia e a África do Sul, sofreram ataques especulativos.

Além das incertezas com o golpe militar na Tailândia, inquieta o capital estrangeiro a onda de protestos populares na Hungria exigindo a renúncia do primeiro-ministro Ferenc Gyurcsany. Na América Latina, a crise política brasileira não ajuda. As declarações do presidente do Equador, Alfredo Palacio, de que é necessário renegociar a a dívida externa no país também causaram tensões. O mercado não tem gostado do crescimento de Rafael Correa - candidato da esquerda à presidência do Equador, que é apoiado pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez - nas pesquisas para as eleições presidenciais de 15 de outubro.

Sobre o Brasil, a grande dúvida dos investidores é se a atual crise política vai se ampliar a ponto de afetar de forma decisiva a governabilidade no segundo mandato do governo Lula. "As perspectivas para o ajuste fiscal no ano que vem não são nada boas", diz John Welch, analista da Lehman Brothers. Segundo ele, é necessário ver se a oposição, munida de novas denúncia contra o governo, que Welch considerou "graves", não vai "partir para cima e pedir um impeachment, mesmo depois das eleições". Isso poderia inviabilizar ainda mais as votações que o mercado tanto deseja, como as que permitiriam o corte de gastos públicos.

Para o economista-chefe da Austin Ratings, Alex Agostini, a crise política interna introduz mais um ingrediente complicador. "O fato é que está ficando cada vez mais evidente a desorganização e a falta de controle que o governo petista tem sobre o segundo e o terceiro escalão do partido", diz Agostini. Ele lembra que, ao longo de 2007, o governo federal terá que aprovar medidas importantes para pelo menos manter o equilíbrio fiscal, como a prorrogação da CPMF, que termina ao final de 2007. Para Marcelo Ribeiro, economista da Pentágono Asset, a crise política interna não é a causa primária da turbulência, mas ajuda a amplificá-la. O motivo central das agitações é, segundo ele, o ritmo de queda no crescimento americano e seus impactos nos preços dos commodities e ativos relacionados.