Título: Haddad descarta anular prova
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Fonte: Correio Braziliense, 09/11/2010, Brasil, p. 10

Ministro diz que só aplicará novos testes aos alunos que se sentiram prejudicados, e adianta: vai abrir sindicância para apurar o caso

Diante da série de problemas com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o ministro da Educação, Fernando Haddad, convocou os jornalistas para prestar explicações a respeito das falhas. Em sua apresentação, adotou duas posturas bem nítidas. A primeira: chamou para si a responsabilidade, evitando, inclusive, citar o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A segunda: minimizou os problemas ocorridos no fim de semana.

De acordo com o ministro, até o início da noite de ontem, o número de candidatos afetados pelas falhas na impressão e montagem das provas era bem reduzido e somente se registrou em escala maior em uma escola de Sergipe. Os demais, foram casos isolados, na avaliação de Haddad. Questionado sobre a decisão da Justiça Federal do Ceará, o ministro descartou qualquer possibilidade de novas provas, a não ser para as pessoas que foram prejudicadas. ¿Não cogitamos fazer novas provas para substituir as de sábado.¿

Segundo Haddad, os erros de impressão das provas, que apresentavam questões trocadas entre o cabeçalho de ciências da natureza e de ciências humanas, foram admitidos pela gráfica responsável pela confecção, mas não foram prejudiciais aos candidatos. ¿O número de 21 mil ¿ provas erradas ¿ é 0,003% do montante de provas impressas¿, disse o ministro, ressaltando que a empresa vai arcar com a reaplicação dos exames para quem não foi alertado pelos fiscais do Inep, no fim de semana. Ele disse, no entanto, que vai abrir uma sindicância para definir quem foi o responsável pelas irregularidades.

Haddad explicou ainda que uma das preocupações é quanto à igualdade de condições dos concorrentes, com a reaplicação das provas para um pequeno grupo de pessoas, prejudicadas com os erros ocorridos no fim de semana, e que isso, teoricamente, não seria problema, uma vez que o Enem usa a Teoria de Resposta ao Item (TRI), modelo estatístico que permite que os exames tenham o mesmo grau de dificuldade. ¿O TRI permite que as pessoas sejam submetidas a questões de mesmo peso¿, ressaltou Haddad pelo menos quatro vezes ao longo da entrevista. (EL)

CONVIDADO A SE EXPLICAR » O ministro da Educação, Fernando Haddad, será convidado a depor sobre os problemas relacionados ao Enem na Comissão de Educação do Senado. A vice-presidente da comissão, a senadora Marisa Serrano (PSDB-MS), deve apresentar requerimento hoje, convidando o ministro. A senadora discursou na tribuna ontem apontando que, pelo segundo ano consecutivo, o Enem apresentava falhas graves: ¿Este ano, o Enem foi desastroso e lamentável¿, disse. Segundo a senadora, ao contrário do que a presidente eleita, Dilma Rousseff, afirmou, poucos dias após sua vitória, ¿a Educação não está bem encaminhada¿ e ¿deveria ser uma prioridade do governo federal¿.

ESTUDANTES DIVERGEM QUANTO A REFAZER TESTE

Enquanto segue indefinida a anulação do teste do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), aplicado no sábado, estudantes que não constataram nenhum problema grave acreditam que essa medida seria injusta. Jéssica do Nascimento recebeu o caderno de provas de capa amarela, o mesmo tipo que, em alguns casos, apresentou problemas de impressão, mas o material que recebeu estava de acordo. A estudante tenta uma vaga na universidade por meio do Enem para o curso de engenharia elétrica. ¿Não tive nenhum problema com minha prova, a não ser com o cabeçalho da folha de respostas, mas isso não me prejudicou.¿ Jéssica diz que não gostaria de fazer um novo exame. ¿Pela correção da prova, feita no colégio onde estudo, acertei muita coisa. Não sei se terei o mesmo desempenho se tiver que fazer um novo exame¿, reclama. Filipe Carvalho, 20 anos, tenta uma vaga para o curso de letras. Ele acredita nas chances de aprovação e concorda com Jéssica. ¿Não quero ser prejudicado por toda essa confusão. Acho que fui bem nessa prova. Se tiver que fazer outra, será que vou bem também?¿, questiona. Já Lorena Moreno, 17 anos, aponta outras questões: ¿Este ano é muito corrido para nós que estamos no último período do ensino médio. Além do Enem, temos as provas do PAS, UnB e das outras universidades¿.

Déborah do Nascimento, 16 anos, já é estudante de enfermagem da Universidade de Brasília (UnB), aprovada no último vestibular, mas ainda assim se submeteu à avaliação do Ministério da Educação. Ela acredita que a melhor medida seria que apenas as pessoas que tiveram problemas refaçam as provas, mas reconhece que essas falhas fazem com que o programa perca credibilidade. ¿Aquelas universidades que ainda não aderiram ao Enem como alternativa para o vestibular, observando erros básicos como de revisão da folha do gabarito, provavelmente não vão mudar de postura.¿

UM DEFEITO ¿INDUSTRIAL¿

Depois do adiamento das provas do Enem 2009, em função do furto ocorrido da Gráfica Plural em outubro do ano passado; e do vazamento de dados pessoais de candidatos, em agosto deste ano ¿ para citar apenas dois dos problemas que envolvem o exame ¿, esperava-se que os dois dias de prova do Enem 2010 fossem, na pior das hipóteses, mais tranquilos. Mais uma vez, no entanto, os testes acabaram provocando desgaste.

No primeiro dia do exame, houve a troca de cabeçalhos no cartão-resposta, em relação às questões do caderno de provas; e algumas provas de cor amarela vieram com folhas da prova de cor branca ¿ o que provocou a repetição ou a ausência de questões. A gráfica vencedora da licitação para impressão da prova, a RR Donnelley, enviou uma carta ao Inep, ontem, assumindo que foram impressas provas com defeito de ordenação. De 33 mil cadernos de provas amarelas com defeito, 21 mil foram distribuídos.

Segundo a gráfica, o impacto do defeito representa um índice de 0,003% sobre as 10 milhões de provas impressas, ¿estando absolutamente dentro da normalidade técnica para esse processo industrial¿. Em relação aos estudantes que se sentirem prejudicados pela troca de cabeçalhos no cartão de respostas, o Inep informou que irá abrir, amanhã, uma página no sistema de acompanhamento do Enem. (LL)

SERVIÇO

Os estudantes que se sentiram prejudicados no Enem 2010 podem acionar a Defensoria Pública da União pelo e-mail enem2010@dpu.gov.br; e a UNE e a Ubes pelo e-mail enem2010@une.org.br, ou pelo telefone (11) 2771-0792, das 9h às 17h, de segunda a sexta-feira.

Palavra de especialista PREJUÍZO AINDA MAIOR

¿O Enem foi uma iniciativa do Ministério da Educação que começou com vários percalços que tentaram ser corrigidos ao longo do tempo. Quando o exame passou a democratizar a passagem do aluno do ensino médio para o superior, adquiriu um nível de importância ainda maior. Tecnicamente, a prova foi aperfeiçoada este ano, mas apresentou graves falhas operacionais. Já houve o vazamento de informações, primeiro grande problema, agora os erros de impressão e revisão são ainda mais graves. Esses problemas denunciaram a falta de revisão pelo Inep, que deveria ter sido mais cauteloso durante o processo.

Mas o problema aconteceu e a única solução democrática, considerando inclusive a necessidade de ele continuar sendo valorizado e não perder a credibilidade, é de se refazer a prova do sábado antes mesmo da divulgação do gabarito oficial. Ao se publicar o gabarito pode se dar a impressão de que quem for aprovado não vai querer reclamar, o que não considero uma coisa boa.

Para garantir a credibilidade do Enem seria necessário demitir a gráfica responsável pela impressão das provas e fazer com que o novo exame passe por uma revisão bastante severa, para evitar qualquer outro problema. E aqueles alunos que se deram bem nesse exame, e se sentirem injustiçados em ter que passar por outro dia de prova, certamente também vão ter um bom desempenho novamente.

A prova prejudicou direitos e por isso precisa ser anulada. Ela não pode se tornar válida simplesmente porque alguns conseguiram se sair bem.¿

Maria Sylvia Simões Bueno é professora do departamento de pedagogia da Unesp/Marília