Título: Ascensão de Denise ameaça favoritismo de Cabral no Rio
Autor: Magalhães, Heloisa e Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2006, Política, p. A8

O senador Sérgio Cabral Filho (PMDB) ainda é favorito, inclusive com chances de vencer no primeiro turno, mas a disputa pelo governo do Rio de Janeiro começa dar sinais claros de que pode ganhar novos contornos em 1º de outubro, com o crescimento nas pesquisas de intenção de voto da deputada e juíza aposentada Denise Frossard (PPS). Ela está empatada com o senador evangélico Marcelo Crivella (PRB), que vem se mantendo praticamente estável desde agosto.

Caso haja um 2º turno, a ex-juíza tem chances ainda maiores de vencer. Crivella já declarou seu apoio, caso saia derrotado. Segundo ele, ainda no período de definição das candidaturas, foi acertada uma frente de candidatos contra Cabral, caso houvesse 2º turno. Denise Frossard tem a seu favor o discurso de ética, focado no combate à violência, uma das maiores angústias da população do Estado. A senadora fez carreira como juíza criminal e conhece o sistema penitenciário. Foi ela que condenou, em 1993, a poderosa cúpula do jogo do bicho, então cortejada em várias esferas da sociedade carioca.

Mesmo assim, apesar de eleita deputada federal em 2002 com 385 mil votos, não é suficientemente conhecida da população de baixa renda. Foi preciso tempo para muitos eleitores ligarem a trajetória à candidatura. Também tem pouca penetração na Baixada Fluminense, o cinturão de cidades pobres que cerca a capital do Estado, considerado pelos analistas como o pêndulo da balança eleitoral no Rio.

Essas limitações não impedem que o cientista político Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj), diga que "ela é a onda do momento" e admita que a ex-juíza possa repetir o "furacão" Leonel Brizola de 1982. O ex-governador tinha menos de 5% nas pesquisas até poucas semanas antes da eleição e arrancou para uma virada sensacional, derrotando o candidato do governo, Wellington Moreira Franco, do antigo PDS, por 32,6% a 29,2% (a eleição era em turno único).

Com Cabral, ocorre o contrário. Ele bateu sucessivos recordes de votação em três mandatos como deputado estadual e chegou ao Senado, em 2002, com 4,2 milhões de votos. Desde a primeira eleição, em 1990, com 27 anos, abraçou a causa da terceira idade e junto com o deputado estadual Carlos Minc (PT) defendeu a aprovação de leis em benefício dos idosos. Foi por oito anos presidente da Assembléia Legislativa e procurou marcar seu mandato pela redução de despesas com funcionários, viaturas e pela criação de um teto salarial. Diz que encontrou motorista ganhando R$ 18 mil e procurador, R$ 40 mil.

"Até então, a Constituição tinha esse dispositivo que não vinha sendo utilizado. Era estabelecido, como ainda é, que ninguém podia ganhar mais do que o chefe do Poder, no caso, o deputado, que na época ganhava R$ 6 mil. Acrescentamos o tempo de serviço e chegamos a R$ 9,6 mil. Quem ganhasse acima disso tinha o salário cortado. Há brigas na Justiça até hoje. Isso foi em 1995", disse em entrevista ao Valor.

Jornalista por formação, a mesma profissão do pai famoso - especializado em música, um dos fundadores do "O Pasquim" -, Cabral praticamente não fez carreira. Embora no tempo de estudante tenha sido da juventude do antigo MDB e filiado ao PCB, fez grande parte de sua trajetória política no PSDB, até que, em 1998, rompeu com o partido após desentender-se com o então governador tucano Marcello Alencar.

Na época da briga com Alencar e seus filhos, tendo como estopim a tentativa de privatização da Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae), surgiram suspeitas, freqüentemente renovadas, de que Cabral enriqueceu após entrar para a política. Ele se diz tranqüilo. "O Ministério Público Estadual, e também o Federal, estimulados pelo Marcello Alencar e por seus advogados, investigaram. Tudo foi arquivado. Naquela época, me incomodou. Depois disso, vejo que é pura tentativa desesperada dos adversários, a cada pesquisa, a cada momento", defende-se.

Foi após o cisma com a família Alencar que Cabral passou para o PMDB, tornando-se aliado, até hoje, do casal Anthony Garotinho e Rosinha Matheus. Mas ressalva: "Não existe compromisso. Eles não me pediram nada. Já me disseram que não querem nada, não desejam nada". E refutou que Garotinho possa vir a usar seu governo como vitrine para se candidatar a presidente em 2010. "Quem estará sendo eleito sou eu. Meu compromisso é fazer um grande governo", diz.

A marca que pretende imprimir para fazer o que chama de "grande governo" será um "choque de gestão". Embora não revele nada, Cabral está mais preocupado em pavimentar o próprio futuro. Contraparente do governador de Minas Gerais, Aécio Neves (com quem militou na juventude do MDB), e amigo do candidato tucano ao governo de São Paulo, José Serra, prováveis postulantes à Presidência em 2010, o candidato mais jovem e mais bem cotado ao governo do Rio sabe que um bom governo pode lhe abrir um leque de opções. Analistas apostam que, se eleito, Cabral acabará distanciando-se de Garotinho. Mas o político loquaz é pouco explícito quanto ao futuro de suas alianças.

Antes, precisará garantir sua própria eleição. O cientista político Jairo Nicolau acredita que até agora Cabral fez tudo certo para vencer. "Não brigou com ninguém, não entrou em baixarias, não aceitou e nem rejeitou totalmente seus principais aliados (o casal Garotinho), não tem candidato a presidente. A campanha dele é muito bem feita", diz o cientista, ressaltando que Cabral nem mesmo elegeu um tema para centrar fogo na campanha, como fez Denise Frossard com a segurança. O problema, para Nicolau, é que pode ser tarde para mudar essa postura de "estadista", caso a candidata do PPS confirme sua ascensão.