Título: Regras criam dúvidas sobre retorno previsto para PPP da União
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2006, Brasil, p. A3

O edital da primeira Parceria Público-Privada (PPP) do governo federal, que prevê a concessão das rodovias BR-116 e BR-324, foi recebido com extremo ceticismo pelo setor privado. As regras da licitação incluem vários pontos polêmicos, como um modelo para a cobrança de pedágio que penaliza automóveis de passeio em benefício de caminhões maiores, numa espécie de subsídio cruzado. Empresários ouvidos pelo Valor também contestam a preferência do governo pela adoção de PPPs nas duas estradas, que ficam na Bahia.

Na estrutura tarifária vigente nas demais concessões federais e na maioria dos Estados, o valor de referência do pedágio se baseia no preço cobrado de um automóvel de passeio - que corresponde a um eixo. Um caminhão com três eixos paga três vezes mais que um veículo leve, e assim sucessivamente. Esse cálculo pressupõe que as tarifas devem ser proporcionais ao desgaste do pavimento provocado por cada tipo de veículo.

Na estrutura desenhada pela International Finance Corporation, braço do Banco Mundial contratado pelo governo para conduzir os estudos de viabilidade da primeira PPP federal, o cálculo é ponderado pelo desgaste causado ao pavimento pelo modelo de caminhão mais comum dentro daquele número de eixos.

Por esse formato, um caminhão com três eixos pagará 2,4 vezes o valor da tarifa desembolsada por um veículo de passeio. O pedágio fica proporcionalmente mais barato à medida que aumenta o número de eixos. Um caminhão com quatro eixos pagará 2,9 vezes o valor da tarifa básica. No caso mais extremo, um caminhão com nove eixos pagará 5,1 vezes o valor da tarifa básica. O preço de referência é de R$ 2,30 nos pedágios da BR-324 e de R$ 3,70 nos da BR-116.

Para especialistas, essa é uma forma delibera de amenizar o impacto do pedágio no custo do transporte de carga, mas aumenta o valor pago pelos usuários de veículos de passeio. Se adotado, o modelo contradiz um artigo do próprio edital de licitação, segundo um empresário do setor que prefere não ter o nome publicado. "É vedado ao Poder Concedente, no curso do contrato, estabelecer privilégios tarifários que beneficiem segmentos específicos de usuários do sistema rodoviário", afirma o artigo 16.2.5 do edital.

O Valor apurou que essa estrutura tarifária recebeu o aval do Ministério do Planejamento, responsável pelo programa de PPPs, mas causou apreensão no Ministério dos Transportes e na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A maior preocupação é com a possibilidade de que transportadoras de carga e os próprios caminhoneiros acionem a Justiça em busca de isonomia nas demais rodovias, o que pode causar uma espécie de "tarifaço" nos pedágios pagos por veículos leves. Procurados, o Ministério dos Transportes e a ANTT não se pronunciaram.

Segundo o Planejamento, o modelo tarifário sugerido pela IFC é o mais adequado e reflete melhor o desgaste para o pavimento. O ministério argumenta que os caminhões maiores têm ganhos de escala e proporcionam mais eficiência no uso das rodovias. Os técnicos da pasta refutam que os usuários de veículos leves sejam prejudicados. Dizem que, em última instância, esses usuários também são consumidores que vão se beneficiar de preços mais competitivos com os produtos transportados por caminhões maiores. Eles não acreditam em mudanças nas demais concessões, por liminares judiciais, uma vez que são contratos assinados e em plena vigência.

Esse não é, porém, o único ponto polêmico. Os empresários questionam a necessidade de usar o mecanismo das PPPs para fazer a licitação das duas rodovias. Se o governo adotasse a estrutura tarifária tradicional e fizesse alterações na localização das praças de pedágio, sem mudança dos valores cobrados, eles garantem que o projeto poderia viabilizar-se como concessão "pura" - ou seja, sem desembolso dos cofres públicos. Temem que, pela localização determinada no edital, a exemplo do ocorrido em rodovias como a Nova Dutra, a maioria das viagens seja de trajetos curtos e realizada por veículos que não pagam pedágio.

Este é o perfil da BR-324, no trecho de 114 quilômetros que liga Salvador a Feira de Santana, para onde está prevista a instalação de duas praças de pedágio. Segundo os estudos de viabilidade, 70% dos veículos que trafegam na BR-324 são automóveis de passeio e muitos usam a estrada para acessar municípios entre as duas extremidades da rodovia. Para os empresários, isso pode criar uma situação semelhante à verificada na Nova Dutra, em que menos de 15% dos usuários pagam pedágio - elevando, em tese, a tarifa despendida por cada usuário pagante.

Na BR-116, que liga Feira de Santana à divisa da Bahia com o Rio de Janeiro, são cinco praças de pedágio para uma extensão de 535 quilômetros. O setor privado prefere a dispersão dos postos de cobrança. Se a sugestão for acatada, o valor para usar a rodovia de uma ponta a outra continuará igual, mas a tendência é fazer com que um número menor de veículos utilize a estrada sem qualquer pagamento.

Nas últimas semanas, empresários levantaram dúvidas quanto à atratividade do negócio. Cálculos preliminares indicam que a Taxa Interna de Retorno (TIR) do investimento nas duas rodovias é de 10,7% ao ano. A TIR é o percentual de retorno obtido sobre o saldo investido e ainda não recuperado em projetos de investimento. Para comparar, as concessões que o governo federal preparava para rodovias como a Fernão Dias e a Régis Bittencourt projetavam uma TIR em torno de 15% ao ano - índice considerado baixo pelos empresários, que viam maior rentabilidade em aplicações financeiras.

A projeção de TIR em 10,7% já contabiliza a contrapartida que o governo dará para viabilizar a PPP. Segundo o edital, o Tesouro desembolsará um montante de até R$ 55 milhões por ano. Vence a licitação, que ainda não tem data marcada, quem pedir a menor contraprestação do governo. A concorrência é aberta a empresas nacionais e estrangeiras, além de permitir a participação de fundos de investimento. Em tese, a contrapartida oficial pode ser igual a zero. Mas, com as incertezas que cercam o edital, é baixa a possibilidade de isso acontecer.