Título: Titularidade exige solução híbrida, diz estudo
Autor: Watanabe, Marta e Maia, Samantha
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2006, Brasil, p. A4

Embora defenda que tem capacidade financeira e administrativa para gerir o saneamento básico, o município de São Paulo tem apenas 15% dos recursos hídricos necessários para atender a demanda de sua população. Além disso, a infra-estrutura existente de água e esgoto da capital paulista já é integrada à das cidades vizinhas com as quais sua área urbana se confunde.

Localizado no Espírito Santo, o município de Cachoeiro de Itapemirim está em situação praticamente inversa. Tem água doce suficiente em seu território para abastecer a população e sua infra-estrutura de água e esgoto é autônoma, sem interligação com as cidades vizinhas. As receitas da administração municipal, porém, são consideradas baixas para sustentar ou investir em estrutura capaz de garantir água e esgoto para seus 194 mil habitantes.

A capital paulista e a capixaba Cachoeiro do Itapemirim mostram apenas algumas das disparidades de situações entre os mais de cinco mil municípios brasileiros. Em vista dessa diversidade, não há solução única sobre quem deve deter a titularidade dos serviços de saneamento básico, um dos itens de maior polêmica no assunto entre Estados e municípios e que aguarda definição do Supremo Tribunal Federal (STF). Essas são algumas das conclusões de um estudo realizado pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Direito GV). A pesquisa foi financiada pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e será divulgada amanhã em seminário da Direito GV sobre saneamento básico.

O estudo traçou sete perfis de municípios, levando em conta itens como suficiência de recursos hídricos, capacidade administrativa e financeira e grau de isolamento urbano. Para cada um dos perfis estudou as vantagens e desvantagens e os resultados da combinação entre titularidade municipal ou estadual e operação local ou regional.

Atualmente a disputa maior entre Estados e municípios acontece em regiões metropolitanas, onde o sistemas de água e esgoto são interligados e os recursos hídricos são compartilhados. São regiões com alta arrecadação tarifária e, por isso, atrativas aos investidores.

A titularidade do serviços de saneamento pertence tradicionalmente aos municípios, mas nas regiões metropolitanas os Estados têm pleiteado essa autoridade em razão da necessidade de administrar o interesse de várias prefeituras. Um dos pontos sensíveis na discussão é a questão do subsídio de tarifas intermunicipal, que permite aos municípios pobres universalizar o atendimento.

O estudo da GV, porém, não conclui categoricamente pela necessidade da titularidade estadual, mesmo nos casos das regiões metropolitanas. A pesquisa indica que pode haver uma empresa gerindo o saneamento de forma regional, abrangendo vários municípios, mesmo que a titularidade continue na mão da prefeitura. "O titular não é o único protagonista desse jogo. Existem outras funções envolvidas", diz o professor Diogo Coutinho, que realizou o estudo em parceria com os pesquisadores Alexandre Cunha, André Nahoum, Conrado Mendes, Fernanda Ferreira e Frederico Turolla. O grupo destacou papéis que podem ficar desatrelados do titular, como o do operador (a empresa que vai administrar a água e o esgoto), do regulador e do planejador.

Mesmo que a titularidade seja estadual ou municipal, no caso das regiões metropolitanas, a concessão dos serviços a uma empresa regional permitiria o ganho de escala em função dos sistemas integrados. Esse ganho de escala tem sido um dos argumentos mais fortes das administrações estaduais.

Segundo Karla Bertocco , assistente-executiva da presidência da Sabesp, a conclusão de que não existe uma solução única foi a melhor a que o estudo poderia chegar. "A titularidade atrapalha muito mais do que devia as discussões sobre outros aspectos do setor." Ela discorda, porém, que no caso de São Paulo, a titularidade poderia ser municipal.

Karla reconhece a capacidade administrativa da prefeitura paulistana, mas argumenta que a capacidade de endividamento do município está esgotada. "O investimento da Sabesp no Estado de São Paulo nos últimos 11 anos foi de R$ 1,2 bilhão, dos quais entre 50% e 60% somente na região metropolitana da capital. A prefeitura não conseguiria fazer o mesmo."

Carlos Ari Sundfeld, advogado especializado no assunto, receia que um modelo municipalista esbarre na falta de interesse que as administrações das cidades-pólo teriam em um operador regional. Isso poderia colocar em risco os subsídios hoje existentes a municípios com possibilidade de arrecadação menor de tarifas. "Não haveria como forçar a prefeitura de uma cidade pólo a arcar com esse custo numa operação regional."

Coutinho acredita que, nesse caso, a solução seria criar incentivos para que as administrações de cidades ricas optem por um operador regional ou que uma regulação estabelecida em lei determine o subsídio aos locais mais pobres. "Isso poderia ser operacionalizado pela criação de um fundo, por exemplo."

Outra observação do estudo é de que é importante o operador e o regulador não se confundirem, como acontece tradicionalmente, principalmente nas empresas atreladas aos Estados. "Os interesses são conflitantes", diz Coutinho. Ele cita a Sabesp, que é empresa de capital aberto e, por isso, tem obrigação de garantir lucro aos acionistas. Ao mesmo tempo, se compromete com a universalização em áreas de baixa arrecadação tarifária.

Karla Bertocco, da Sabesp, considera a crítica sobre regulação procedente. "Não faz sentido a Sabesp se auto-regular, pode até ser cômodo, mas essa situação não é confortável." Para ela, a regulação do setor, que virá com a aprovação do marco, trará um desafio para todas as operadoras. "Isso vai exigir um aprimoramento de gestão, principalmente na área de custos, o que será positivo." Além disso, um órgão regulador serviria de intermediário entre as próprias empresas que operam em conjunto, resolvendo problemas como o de contestação de preço feita hoje por municípios que compram água no atacado da Sabesp.

Existem alguns locais, porém, em que o estudo indica maior vantagem da titularidade do Estado. É o caso de municípios isolados com menor desenvolvimentos, como os do semi-árido nordestino. Nessa região, a titularidade estadual conseguiria resolver mais facilmente a falta de recursos hídricos e de investimento.