Título: Brasil vende até bombons para países em guerra
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2006, Internacional, p. A11

É uma viagem arriscada. De Acaba, na Jordânia, até Mossul, no Iraque, os caminhões que levam produtos importados costumam seguir em comboio e protegidos por escolta armada. Nas estradas, milícias representam uma ameaça constante aos carregamentos, muitas vezes alvos de atentado ou roubo. No ano passado, um desses comboios percorreu o trajeto levando uma valiosa carga vinda do Brasil: bombons de chocolate.

Apreciados por iraquianos e pelo mundo árabe em geral, doces de todo o tipo e de diferentes países fazem sucesso nos mercadinhos ou nas bancas de ambulantes, as bekala, de cidades do Iraque. Em 2005, só a Chocolates Garoto, com sede no Espírito Santo, exportou 800 toneladas de bombons para o mercado iraquiano. Uma venda de US$ 1,5 milhão e um tanto inusitada para um país com economia destroçada pela guerra, mergulhado em violência sectária e à primeira vista carente de itens mais vitais. No Iraque, o bombom Serenata de Amor, com sua embalagem de celofane amarelo, já ganhou até um apelido: safra, amarelo em árabe.

Ao lado da Garoto, um número crescente de empresas brasileiras vem abrindo espaços e ampliando sua participação em regiões abaladas por guerras e violência, vistas geralmente como inseguras demais para negócios. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, cerca de mil empresas do país exportaram em 2005 para lugares como Iraque, Afeganistão, territórios palestinos, Haiti, Sudão e República Democrática do Congo e Sudão.

Exportar para esses países é uma tarefa que exige negociações cautelosas e logística especial. "Em julho, o nosso distribuidor perdeu três caminhões em atentados com produtos alimentícios. Todos os dias, eles têm de negociar com grupos radicais para passar por alguns pontos e muitas vezes precisam mudar de caminho", relatou o gerente de exportação da Garoto, José Ricardo Cicone. O segredo para os exportadores, diz ele, é encontrar um distribuidor bem estruturado e conhecedor da rotina local.

Apesar da tensão inerente a países em conflito, para os exportadores os riscos são relativamente reduzidos, dizem empresas com experiência de front. Isso porque os compradores desses países sabem que a regra número 1 para fazer negócios com o resto do mundo é pagar antecipadamente.

"Não temos nenhum risco", afirmou Djalma Luiz Rodrigues, diretor industrial da Fanem, sediada em Guarulhos (SP) e que fabrica equipamentos médico-hospitalares e laboratoriais. A empresa fornece a hospitais e clínicas iraquianas, principalmente incubadoras para recém-nascidos. "Nos últimos seis meses embarcamos US$ 100 mil para o Iraque", disse. Os equipamentos chegam ao distribuidor da empresa na Jordânia, e de lá seguem para o Iraque.

"O único reflexo é a possível cobrança de tarifa extra, um 'war fee', por parte dos armadores em razão de ser zona de conflito", diz Garry Russell, da Tribac Tabacos do Brasil, outro conhecedor das exportações para países conturbados. Há cinco anos a Tribac exporta tabaco beneficiado para o Sudão, cuja região de Darfur é o centro de um conflito que já deixou 200 mil mortos. Pelo menos até agora, o war fee não foi cobrado no Sudão.

Uma lição aprendida por empresários brasileiros que se aventuram em zonas de conflito é rastrear ao máximo os dados do comprador. Em países onde proliferam grupos armados e possivelmente dólares vindos do crime, é fundamental saber com quem se negocia. Empresas que vendem para a Colômbia, por exemplo, sabem que narcotraficantes costumam usar falsos importadores para comprar pilhas, baterias, cigarros e até lâminas de barbear.

Há dois anos, quando foi procurado por um importador afegão, o diretor-presidente da Embaré, Haroldo Antunes, só levou o contato adiante depois de investigar o potencial cliente. Feito isso, desde 2004 a empresa embarca 16 toneladas por ano de balas e caramelos. Sempre via Karachi, no Paquistão, e de caminhão até solo afegão. São US$ 27 mil a US$ 28 mil em cada venda, nada significativo para uma empresa que exporta até US$ 15 milhões de caramelos para mais de 40 países, metade da produção. "O que nos importa é a variedade de clientes. Sem dúvida, para quem já está lá, será mais fácil progredir quando a situação ficar mais estável", espera Antunes.

Garoto e Embaré também vendem para os territórios palestinos. Prevêem, porém, uma queda na demanda local, devido à redução brusca na renda dos palestinos com o congelamento da ajuda externa e de repasses de Israel.

Comparado com destinos mais usuais, as exportações brasileiras para países em conflito ou saídos de guerra são pequenas. Mas estão em ascensão. Entre janeiro e agosto deste ano, por exemplo, foram vendidos US$ 52 milhões para o Iraque (ante US$ 16 milhões no mesmo período de 2005); US$ 1,6 milhão para o Afeganistão (ante US$ 602 mil); US$ 44 milhões para o Haiti (ante US$ 27 milhões); e US$ 111 milhões para o Líbano (ante US$ 76 milhões). Na pauta, de açúcar a tabaco, de máquinas a carne de frango, de etanol a doces.

"O atrativo dos países em situação de guerra é que muitos deles estão dispostos a pagar um preço de urgência. Além disso, quando entram em uma fase de reconstrução, você já está lá", diz Juan Quirós, presidente da Agência de Promoção de Exportações (Apex), órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento. Segundo ele, nos países que estão saindo de guerra não costuma haver concorrência de empresas locais, que também estão se reorganizando. "O que tem são as grandes marcas estrangeiras e um espaço que pode muito bem ser preenchido por produtos brasileiros", acredita Quirós.

Empresas que descobriram esse nicho vêem seus produtos valorizados em zonas de guerra. O bombom Serenata de Amor vendido no mercado internacional ao preço médio de US$ 0,25 chega a custar o triplo no Iraque e em outras regiões de conflito.