Título: China agora estimula a sindicalização, mas para controlar trabalhadores
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Fonte: Valor Econômico, 25/09/2006, Internacional, p. A11

O Partido Comunista Chinês sempre agiu rapidamente para esmagar entidades sindicais independentes. Mesmo seus próprios sindicatos fantoches viveram dias difíceis nos últimos anos. Até há pouco, o crescente setor privado evitava manter relações com organizações sindicais, o mesmo ocorrendo com os trabalhadores, apesar de abusos generalizados, como condições de trabalho perigosas, salários irrisórios e obrigação de fazer horas extras. Mas agora sindicatos controlados pelo PC estão ensaiando um retorno. Chegou a hora de o patronato se preocupar?

Desde o fim de julho, a mídia chinesa está exultante com a relutante decisão da Wal-Mart, uma das mais importantes empresas estrangeiras na China, de permitir que seus 31 mil funcionários chineses organizem-se em sindicatos. A Wal-Mart desencorajava isso desde que começou a operar na China, em 1996, assim como faz em outros países, inclusive nos EUA. A empresa diz que sindicatos são desnecessários para seus funcionários. Mas a mídia chinesa noticiou que uma ordem do presidente Hu Jintao, neste ano, desencadeou esforços oficiais para fazer com que a Wal-Mart mudasse de idéia. Em 29 de julho, na cidade de Quanzhou, trabalhadores de um dos cerca de 60 hipermercados Wal-Mart na China formaram o primeiro sindicato na companhia.

A Wal-Mart não era acusada de tratamento indevido contra os funcionários, mas de descumprir uma lei pela qual empresas não podem obstruir a criação de sindicatos. Um levantamento oficial de dois anos atrás concluiu que sindicatos tinham sido formados em só 10% do meio milhão de empresas com capital estrangeiro então registradas na China. A Wal-Mart, com sua postura anti-sindical, passou a ser a mais visada, apesar de sua grande contribuição à economia chinesa. A empresa diz ter adquirido US$ 19 bilhões em mercadorias na China em 2004, cerca de 15% das exportações totais da China para os EUA naquele ano.

E qual é a situação em outras empresas estrangeiras na China? O lento desenvolvimento de sindicatos nessas companhias resulta principalmente da falta de interesse dos trabalhadores, e não de oposição patronal. Os sindicatos no país são controlados pelo Partido Comunista por meio de uma organização guarda-chuva, a Federação Sindical Pan-Chinesa (FSPC), à qual todos os sindicatos têm de se filiar. Duas décadas atrás, quando a economia chinesa era na maior parte estatal, quase todos os trabalhadores urbanos pertenciam a sindicatos de empresas estatais. No melhor dos casos, esses sindicatos atuavam como mediadores entre empresa e trabalhadores, e não na defesa dos interesses dos trabalhadores. Eles tinham escasso poder de negociação, já que greves e outras formas de pressão são efetivamente proibidas (o direito à greve saiu da Constituição da China em 1982). A maioria dos núcleos sindicais fazia pouco mais que organizar lazer e ajudar o PC a monitorar o moral dos operários.

A partir dos anos 90, o rápido crescimento do número de empresas privadas, inclusive estrangeiras, e o fechamento generalizado de estatais distanciou os sindicatos da mão-de-obra urbana. Com isso, o partido também perdeu sua própria rede de células nos locais de trabalho. Mesmo quando empresas privadas recém-chegadas empregavam membros do partido, essas pessoas freqüentemente não organizavam células e perdiam contato com o próprio partido.

Norma do PC exige a criação de uma célula em toda empresa com três ou mais de seus membros. Mas, ainda que esses desejassem criar uma célula, sentiam que a direção desaprovaria a iniciativa. Em empresas estatais, a chefia costuma ser também um chefe no partido. Em empresas privadas, mesmo as fundadas por membros do partido, a gerência receava que segredos empresariais pudessem vazar e que a eficiência ficasse prejudicada por uma estrutura de poder paralela dentro da companhia. E sem células do PC, havia pouco estímulo à sindicalização. Em 1999, a filiação a sindicatos tinha caído para 87 milhões de trabalhadores, após pico de 104 milhões em 95.

Isso foi um choque para as autoridades. Para um partido acostumado a dispor de um controle onipresente, a diminuição do número de gerou inquietação. Nos últimos anos, greves ilegais, operações-padrão e outras formas de protesto trabalhista tornaram-se mais freqüentes. Essas ações foram deflagradas devido tanto ao encolhimento do setor público como às duras condições de trabalho em algumas empresas privadas.

O PC quer a volta de seus sindicatos para manter os trabalhadores sob controle, o que, admite o partido, por vezes significa constranger também os empregadores. O PC acredita que, se conceder aos sindicatos controlados pelo governo um pouco mais de força, isso ajudará a dissuadir trabalhadores desesperados de tentarem formar sindicatos independentes. O partido ainda treme ao recordar o crescimento do Solidariedade na Polônia na década de 80. E mais sindicatos significa mais dinheiro para o governo. Empresas com trabalhadores sindicalizados têm de entregar 2% da folha de pagamentos a esses sindicatos. Desse montante, 40% é então repassado à FSPC.

Estatísticas oficiais sugerem que o PC está fazendo progressos. No fim de 2004, havia 55 milhões de sindicalizados em empresas não estatais, 35% a mais que um ano antes, e uma alta mais que quatro vezes superior ao do fim dos anos 90. Em empresas com capital externo, os progressos têm sido notáveis. Em cerca de um terço delas, os trabalhadores estão hoje sindicalizados, segundo dados oficiais. Em algumas áreas onde há grande concentração dessas empresas, a sindicalização é ainda mais ampla. Xangai espera que em 60% dessa mão-de-obra estará sindicalizada ao fim deste ano, e 80% em 2007.

Dois terços dos supermercados da Wal-Mart hoje têm seus funcionários sindicalizados. Em agosto, foram declaradas abertamente as duas primeiras células do PC, mas é provável que haja outras células.

Algumas empresas estão preocupadas. Um projeto de lei sobre contratos de trabalho, que deve ser aprovada em um ano, traz cláusulas que, poderão dar aos sindicatos um papel de maior relevância nas decisões das companhias.

Mas é escassa a chance de que os sindicatos na China venham a ter a presença forte que têm nos países ocidentais. A despeito de suas pretensões marxistas, o PC continua mais interessado nos negócios que nas queixas do proletariado.