Título: Situação de contas externas caminha para a normalidade
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2006, Opinião, p. A12

Caso se confirmem as projeções do Banco Central para o balanço de pagamentos, divulgadas na semana passada, o país voltará a exibir maior equilíbrio em conta corrente em 2007. Será o fim de um período de grandes superávits, mas não se espera o retorno à época dos megadéficits. O Brasil convergirá, ao que tudo indica, para uma situação mais normal nas contas externas, em que não recorre a um excessivo endividamento nem promove uma maciça exportação de capitais.

O BC prevê um superávit em conta corrente de US$ 2,5 bilhões em 2007, uma queda considerável em relação aos US$ 11,9 bilhões esperados para este ano. Ainda há dúvidas se o cenário vai mesmo se concretizar. Basta lembrar que, em setembro de 2005, a autoridade monetária projetava para este ano um saldo de apenas US$ 500 milhões. A vigorosa demanda externa, que permitiu que as exportações mantivessem trajetória de expansão, e o decepcionante crescimento interno, que impediu maior aceleração das importações, são os principais responsáveis pela frustração das expectativas do BC.

Existem elementos, porém, para sustentar a hipótese de diminuição no saldo em conta corrente em 2007, ainda que não exatamente para o número projetado pelo BC. Na proporção com o Produto Interno Bruto (PIB), já está sendo observada redução do superávit. De janeiro a agosto deste ano, o resultado correspondeu a 1,38% do PIB, menor do que o 1,64% do PIB registrado em idêntico período de 2005. Nos prognósticos da autoridade monetária, as contas correntes caminham para fechar este ano com saldo positivo de 1,31% do PIB.

Mais do que a estimativa precisa sobre as contas correntes, entretanto, o que importa nesse caso é a tendência das contas externas, com suas repercussões sobre a economia. Tudo indica que o país esteja abandonando os pontos extremos e caminhando para um quadro intermediário, típico de economias mais maduras.

O Brasil registrou déficits crescentes em conta corrente nos anos que se seguiram ao Plano Real, atingindo o pico de 4,72% do PIB em 1999. Gastando acima de suas receitas nas transações comerciais e financeiras com o resto do mundo, viu-se obrigado a buscar financiamentos internacionais, por meio da contratação de empréstimos e da atração de capitais estrangeiros. Essa política fez com que a dívida externa total saltasse de US$ 148,295 bilhões para US$ 241,644 bilhões entre 1994 e 1998.

Teria sido menos negativo se, nesse período, o país tivesse mantido as contas públicas sob equilíbrio. Chegou-se, entretanto, a gerar déficits primários, como o resultado de 0,95% do PIB de 1997, o que equivale a dizer que os capitais estrangeiros estavam financiando gastos do governo, e não a expansão da capacidade produtiva privada.

O ajuste nas contas externas começou em 1999, com a flutuação do câmbio e um maior comprometimento do setor público com a responsabilidade fiscal. Aprofundou-se entre 2002 e 2003, não como uma escolha discricionária do governo, e sim como um imperativo da crise de confiança decorrente das eleições presidenciais, fato que reduziu em cerca de US$ 30 bilhões o financiamento externo do país. Já em 2003 as contas correntes registraram superávit, atingindo seu ápice no ano seguinte, quando corresponderam a 1,94% do PIB. O quadro mais benigno se completou com o aprofundamento do superávit primário, que chegou a 4,84% do PIB em 2005. Os setores público e privado passaram, após esse ajuste, a quitar a dívida externa, que caiu em agosto último a US$ 157,207 bilhões.

Se até o passado recente tal estratégia fez sentido, possibilitando que o país passasse a exibir alguns dos melhores indicadores de solvência externa de sua história, ela parece agora ter se exaurido. Os ganhos marginais da redução do endividamento externo são cada vez menores frente aos custos, representados pela renúncia a recursos preciosos que poderiam financiar a expansão da capacidade produtiva.

Pode-se argumentar que economias emergentes, como China, Coréia e Taiwan, adotam a política de manter altos superávits. Mas a taxa de poupança brasileira, na casa de 20% do PIB, não é comparável às asiáticas, superiores a 30%. Com taxas de crescimento medíocres, não seria razoável o Brasil abrir mão de poupança doméstica.