Título: O futuro da China no mundo
Autor: Stephens, Philip
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2006, Opinião, p. A13

Não há um plano! E eu assumira que a China planejara tudo. No longo vôo para Xangai, li que Pequim já tinha mapeado o rumo da economia até 2050. Depois de um breve período, quando pareceu que o poder americano permaneceria inconteste para sempre, o extraordinário desempenho econômico chinês está agora reorganizando o panorama geopolítico. Eu tinha como certo que essa nação organizada e deliberada tinha mapeado o papel que desempenharia como grande potência.

Eu estava errado. Ao mesmo tempo em que grande parte do resto do mundo está empenhada em ajustar-se ao que está sendo denominado "século asiático", a mensagem da China propriamente dita parece estranhamente equívoca. Na semana passada, depois de ouvir importantes acadêmicos, militares, diplomatas e quadros do Partido Comunista Chinês, a mensagem que registrei foi aproximadamente a seguinte: sim, nós queremos, e esperamos, ser ouvidos com o devido respeito por outras potências dominantes, portanto também pelos EUA; mas não, não temos certeza ainda sobre o que pretendemos dizer.

A ocasião para esse esclarecimento instantâneo foi um simpósio em Xangai intitulado "O Papel da China no Palco Mundial". Os próprios patrocinadores do encontro, tendo à frente a Escola de Relações Internacionais da Universidade de Genebra e o Conselho de Inteligência Nacional dos EUA, pareciam dizer tudo sobre a abertura do debate sobre a política externa chinesa. Não é com freqüência que ouvimos analistas de inteligência americanos debaterem opções estratégicas com oficiais do Exército de Libertação Popular.

Em torno de alguns pontos, evidentemente, havia certezas, no campo chinês. Alguns observadores ocidentais podem encarar Taiwan como um assunto de política externa. Para a China, trata-se de uma questão de integridade nacional: ninguém deveria abrigar a mais remota dúvida sobre a determinação de Pequim de tornar a "China Una" uma realidade.

Igualmente, os formuladores de políticas governamentais chinesas não parecem empenhados em desanuviar as atuais perigosas tensões com o Japão. A história, consideram eles, exige que Tóquio exiba a humildade apropriada. Ouvi alguém comentar que nunca, no passado, a China e o Japão tinham sido fortes ao mesmo tempo. As implicações seriam algo ameaçadoras.

Os fatos que assinalam o ressurgimento internacional da China são suficientemente claros. A insaciável sede de recursos naturais fez com que Pequim construísse uma rede de parcerias e alianças em todos os continentes. Contratos de fornecimento de petróleo, metais e minerais foram fortalecidos por um esforço político e diplomático em escala inédita. Poucos líderes mundiais, se é que há algum comparável, acumularam tanta milhagem aérea quanto o presidente Hu Jianto e seu primeiro-ministro Wen Jiabao. Ainda neste ano, eles recepcionarão em Pequim um encontro de cúpula sem paralelos, reunindo todos os 45 líderes dos países africanos, ricos em recursos naturais.

Também não detectei qualquer pedido de desculpas por essa singular busca de satisfação dos interesses nacionais, assegurando o suprimento de matérias-primas. Os impérios ocidentais, afinal de contas, saquearam os recursos naturais do resto do mundo. A China, foi o que ouvi, está firmando convenientes acordos comerciais lucrativos tanto para seus fornecedores quanto para si própria. Quanto à acusação de que negócios estariam sendo fechados com alguns dos regimes mais questionáveis do mundo, a réplica é: o Ocidente também nunca foi ético em sua escolha de aliados.

Apesar de tudo isso, as hesitações são igualmente inconfundíveis. Até muito recentemente, o termo que os chineses usavam para qualificar o retorno da China ao clube das grandes potências era: ascensão "pacífica". O objetivo disso era bastante claro - assinalar a diferença entre a China atual e a Alemanha no fim do século XIX. A história pode estar repleta de enfrentamentos entre potências correntes e emergentes, mas com a China será diferente.

-------------------------------------------------------------------------------- Diminuir as fortes tensões sociais e políticas internas que acompanham a transformação econômica da China é a maior tarefa para sua liderança --------------------------------------------------------------------------------

Mas até mesmo essa descrição deliberadamente auto-depreciativa foi discretamente abandonada. "Ascensão" foi um termo considerado pelos diplomatas chineses como excessivamente ameaçador, mesmo quando adjetivado por "pacífica". Os diplomatas mostram-se preocupados em minimizar o poderio chinês. Trata-se de uma nação ainda relativamente fraca, observam eles, destinada a permanecer atrás dos EUA por muitas décadas.

De todo modo - e há amplo consenso sobre isso - diminuir as fortes tensões sociais e políticas internas que acompanham a transformação econômica da China é uma tarefa muito maior para sua liderança do que qualquer outra questão no horizonte internacional. Apesar de todo o sucesso da China, a maioria de seus cidadãos continua vivendo em pobreza rural.

Assim, a retórica predileta fala em "desenvolvimento pacífico" e "mundo harmonioso". Não é muito claro, porém, o que esses termos efetivamente significam, além de expressar o desejo chinês de abrandar as preocupações de outros atores na comunidade internacional.

Na China, o clima é de maior assertividade tanto em relação aos EUA como ao Japão. A universalidade do comprometimento estratégico americano a estimular a democracia em todo o mundo choca-se com a histórica adoção chinesa do princípio de não-interferência - inclusive, evidentemente, com seu sistema político. O corolário da não-interferência, disseram-me, é o respeito à diversidade: "não existem duas coisas com um mesmo padrão". É bom que Washington saiba disso.

Há outras tensões mais amplas. Se a China agora espera um lugar nos principais fóruns decisórios de assuntos internacionais, os chineses também se apegam à sua posição de liderança no movimento dos países não-alinhados. Mais de uma vez, detectei admissões tácitas de que a liderança chinesa ainda se sente desconfortável com as responsabilidades que vêm junto com o status de grande potência.

A China está desempenhando um papel mais ativo na ONU. Os chineses estão às vésperas de expandir seu papel de manutenção da paz no Líbano. O país sinalizou um comprometimento em relação à não-proliferação nuclear, ao aderir ao Grupo de Fornecedores Nucleares, que se opõe à disseminação de tecnologia crítica. Mas, em outra frentes as tensões são cada vez mais evidentes.

O interesse nacional chinês nos recursos petrolíferos do Sudão e a política de não-interferência vem até agora fazendo com que a China obstrua decisões, no Conselho de Segurança, de enviar a Darfur forças de manutenção da paz da ONU. Pequim insiste em que quaisquer decisões desse tipo devem ter a permissão do governo sudanês. Mas os chineses sentem-se desconfortáveis por terem sua imagem associada aos obstáculos contra os esforços visando amenizar o sofrimento dos refugiados de Darfur.

A mesma ambivalência vem toldando as deliberações do Conselho de Segurança em relação ao programa nuclear iraniano. A China aderiu à proposição de que não se deveria permitir que Teerã avance em um programa de armas nucleares, mas recusa-se vigorosamente a aprovar sanções. Até agora, a China conseguiu esconder-se atrás da Rússia. Mas se a China quiser desempenhar um papel na elaboração das regras do sistema internacional, os chineses não poderão evitar indefinidamente uma responsabilidade em sua aplicação. Chega um momento em que não-interferência deixa de ser uma opção.

No simpósio em Xangai foi muitas vezes dito que a China (diferente dos EUA) "nunca almejará hegemonia no mundo". Sem dúvida, os chineses pretendem valer-se de seu poder recém-adquirido na cena das relações internacionais. Mas se Pequim tem um plano, ainda não está disposta a revelá-lo.

Philip Stephens é colunista