Título: Eleitor de Heloísa Helena esvazia campanha de rua
Autor: Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2006, Especial, p. A14

Candidata mais identificada com o sentimento de indignação é incapaz de arrebatar grandes multidões em seus eventos públicos

São 15h de uma tarde de tempo claro e temperatura amena no centro de São Vicente, na Baixada Santista. Com um modesto equipamento de som, o candidato a deputado estadual pelo P-SOL Édson Carneiro, o Índio, tenta chamar a atenção dos transeuntes para a chegada ao local, em instantes, da candidata da Frente de Esquerda (P-SOL, PCB e PSTU) à Presidência da República, Heloísa Helena. Não mais do que três dezenas de militantes dos partidos da Frente agitam bandeiras, cartazes e galhardetes. A candidata desembarca de um carro quase anonimamente e tem início de imediato uma caminhada pelo comércio da cidade.

Tanto em São Vicente quanto na vizinha Santos, em São Paulo ou no Rio de Janeiro, cidades pelas quais a reportagem do Valor acompanhou a campanha da candidata dissidente do PT, uma surpreendente constatação: a militância jovem, aguerrida e numerosa que historicamente marcou a atuação dos partidos de esquerda, em especial do próprio PT, desapareceu das ruas, mesmo no caso da principal candidatura esquerdista.

Ainda que no Rio de Janeiro, base de algumas das principais lideranças do P-SOl, como os deputados federais Babá e Chico Alencar, a agitação seja um pouco maior, em nenhum dos sete eventos de rua presenciados pela reportagem, a candidata chegou a reunir mais de 200 pessoas e em nenhum deles a militância, responsável pela atração dos populares, chegou a uma quarta parte desse número.

O candidato a deputado estadual Cid Benjamin (P-SOL-RJ), irmão do candidato a vice-presidente na chapa de Heloísa Helena, César Benjamin, afirma que mais de cem pessoas estão trabalhando voluntariamente na sua campanha, mas admite o esvaziamento dos eventos públicos de campanha. "É a decepção com o Lula (o presidente Luiz Inácio Lula da Silva) e com a política em geral", justifica.

Para o cientista político Rubens Figueiredo, do Centro de Pesquisa, Análise e Comunicação (Cepac) de São Paulo, a atual campanha eleitoral "está muito enfadonha" e "a opinião pública está saturada de política", o que são fatores de quebra do entusiasmo. Outra razão, de acordo com ele, é a falta de oscilações significativas nos resultados das pesquisas de intenção de voto. "A dinâmica da campanha não estimula os militantes".

Na comparação com o PT de outras eleições, marcado justamente pelo grande número de militantes, Figueiredo entende que o P-SOL leva desvantagem por ser um partido novo, em estruturação, enquanto o PT, quando começou a disputar eleições, já era uma agremiação enraizada nos sindicatos, na igreja e em outras instituições ligadas ao movimento de massas.

Hoje, segundo o cientista, o PT paga o preço do desgaste do poder e vê também fugir sua militância. De um modo geral, Figueiredo entende que os partidos hoje estão mais estruturados como espécies de empresas de captação de votos, restando pouco espaço para a militância.

É parecida a avaliação da cientista política Vera Chaia, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). De acordo com ela, houve uma mudança na forma de organização dos partidos que colocou a militância em plano secundário. "O P-SOL está mais envolvido na luta pelo poder do que no enraizamento na base", analisa, lembrando que o partido nasceu de uma dissidência do PT, enquanto este surgiu de um movimento de massas que tinha uma atividade política cotidiana, independente de eleições.

Outros fatores que explicam esse refluxo da militância, na avaliação da cientista, são a própria rotina democrática, com duas eleições por ano - "ninguém aguenta se mobilizar"- e a "desilusão" dos que esperavam mudanças com a chegada do PT ao poder. "Vimos que com o PT pouco coisa mudou, gerando descrédito entre os jovens e idealistas", analisou.

Limitada pela escassez de militantes, a campanha ficou nas mãos do carisma dos candidatos. E neste aspectos a candidata Heloísa Helena mostra em cada aparição pública ser legítima herdeira da melhor tradição lulista. Com lágrimas nos olhos, as adolescentes Priscila Maeda e Amanda Cervantes, ambas estudantes de 19 anos, tremiam na fila para conseguir um autógrafo da candidata, em São Vicente. "Agora que ela chegou, estou sem graça de pedir o autógrafo", disse Priscila.

O tempo todo assediada, especialmente por mulheres e crianças - além dos jornalistas, é claro -, a candidata distribui abraços, beijos e carinhos. Colhe flores e votos. "A fofa!", diz para Vanderléia Pereira, da comunidade de Cocaia, no Grajaú, periferia da capital paulista. Ganha o benefício da dúvida: "Ela é muito simpática, mas eu ainda estou em dúvida entre votar nela ou em Lula, apesar dos pesares", confessa.

Seja para uma platéia de pessoas humildes da periferia de São Paulo, seja para intelectuais e empresários reunidos pelo Instituto Ethos em um elegante auditório do bairro paulistano de Pinheiros, servida por garçons de luvas brancas, a candidata do P-SOL mantém o mesmo discurso, mudando a ordem ou as palavras ao sabor da freguesia. Vai baixar três pontos percentuais na taxa básica de juros, obtendo uma economia de mais de R$ 80 milhões para gastar em benefício da população, e vai investir mais R$ 10 bilhões em educação já em 2007. Garante que não vai haver invasões de terra porque irá assentar todos os sem-terra do país; e vai manter a estabilidade econômica porque nenhum país tem um surto inflacionário sozinho.

Em todo discurso, encontra espaço para ressaltar a ética, atacando os escândalos do mensalão e das sanguessugas e acusando o governo de ter se rendido à corrupção. E ganha aprovação de pobres e ricos, embora as pesquisas mostrem que ela vai bem melhor entre os últimos, com 17% das intenções de votos dos que ganham mais de dez salários mínimos e apenas 7% entre aqueles com renda de até dois mínimos, segundo a última pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha (votos válidos).

"Se não olharmos de forma corporativa, é um discurso muito alinhado com as necessidades que o Brasil tem hoje", resume Jorge Luiz Abraão, 48, empresário da construção civil e conselheiro do Instituto Ethos, uma instituição voltada para a defesa dos princípios éticos entre as empresas.

Carlos Tilkian, presidente do Conselho de Administração da Fundação Abrinq, entidade ligada aos fabricantes de brinquedos e voltada para a defesa dos interesses das crianças, é outro empresário que não teme a candidata saudada pelos correligionários como "socialista e radical". "Acho que é um discurso palatável, voltado fundamentalmente para a ética e a decência na vida pública. Posições econômicas, posições políticas, como candidato sempre se adota uma postura e, no poder, é óbvio que existe uma acomodação sobre todas as áreas".

Aparentemente bem aceita nos mais variados segmentos da sociedade, Heloísa Helena vê sua candidatura ao Palácio do Planalto estagnada em 9% das intenções de voto e se mostra admirada com o contraste entre as pesquisas e as manifestações de carinho e apreço que recebe por onde passa. Aparenta desdenhar as pesquisas, mas já vai preparando o espírito para um futuro periférico em relação à posição que vem ocupando na cena nacional como senadora nos últimos oito anos.

Em todos os discursos, não deixa de enfatizar que estará a partir de 1º de janeiro de 2007 lutando pelo melhoria das condições de vida no Brasil, "seja no Palácio do Planalto, seja como professora da Universidade Federal de Alagoas".