Título: Setor de TI sai em busca dos anjos capitalistas
Autor: Rosa,João Luiz e Borges, André
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2006, Empresas, p. B1

No início do ano, o engenheiro Renato Cunha e seu sócio Bruno Basseto estavam quase perdendo a fé na existência de anjos, quando presenciaram uma "aparição": o encontro ocorreu nas instalações da AdTS, empresa de sistemas de automação que eles criaram há quatro anos, e restaurou sua crença - inclusive no futuro do negócio. Mas esta não é, como parece, uma história de redenção religiosa. É muito mais um conto empresarial, que ilustra bem o estágio atual de um ponto vital para a inovação tecnológica: a convivência entre empresas nascentes de tecnologia e o capital de risco.

Nos últimos anos, os fundos de participação - que investem em empresas para fazê-las crescer rapidamente, com o objetivo de posteriormente sair de seu capital com lucro - têm repetido que faltam projetos de tecnologia capazes de atrair a atenção. Do outro lado, os empresários novatos reclamam do que consideram falta de disposição dos investidores. Alguns chegam a dizer que os fundos são tão conservadores no Brasil que "de risco" só guardam o nome.

Agora, porém, essas posições estão sendo revistas. Existem hoje, no Brasil, cerca de 3.030 empresas de base tecnológica instaladas em 319 incubadoras, um cenário farto o suficiente para se duvidar da afirmação de que faltam oportunidades, reconhecem os próprios gestores de fundos de investimento.

Ao mesmo tempo, o dinheiro voltou a fluir no mercado de capitais, recolocando o setor de tecnologia no radar dos investidores. O movimento mostra que as companhias de participação estão, sim, à procura de boas idéias. "A busca por inovações não parou. Continuamos atrás de projetos", diz Paulo Henrique de Oliveira Santos, presidente da Votorantim Novos Negócios, braço de investimentos do grupo Votorantim, que começa a usar a segunda metade de seu fundo de R$ 300 milhões.

A Intel Capital, braço da fabricante americana de chips, criou no semestre passado um fundo de US$ 50 milhões dedicado exclusivamente ao país; o banco Stratus esgotou os R$ 30 milhões de seu primeiro fundo de tecnologia e espera encerrar, no primeiro trimestre de 2007, uma captação de R$ 100 milhões para o segundo. Isso sem contar os R$ 70 milhões reunidos para aplicar em biomassa. A Rio Bravo, do ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, começou a investir os R$ 28,5 milhões em recursos do fundo Investech II em setembro de 2004 e, depois de um longo intervalo sem aportes, fez dois investimentos recentes em um intervalo de apenas 30 dias: na Disec, em maio, e na Exopro, em junho. A FIR Capital ainda tem 20% de um fundo de R$ 130 milhões para investir e pretende captar mais R$ 60 milhões.

Mas se há dinheiro e idéias, porque persistem as reclamações de parte a parte? "O gargalo é o capital-semente", responde Sergio Risola, do Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), que congrega cerca de 100 companhias nascentes na Cidade Universitária, em São Paulo, e onde também está instalada a AdTS.

A posição é uma espécie de consenso no setor. O capital-semente é uma das etapas iniciais de investimento em novas companhias: como o projeto ainda está engatinhando, o volume de recursos requerido é relativamente pequeno, mas de alto risco.

Nos Estados Unidos, diz Álvaro Luis Gonçalves, do banco de investimento Stratus, é comum encontrar grupos informais de pessoas que se reúnem para assistir à apresentação de projetos e se cotizam para dar o empurrão inicial ao empreendimento. São os "dinner clubs", que aplicam pequenas quantias na expectativa de uma remuneração superior à das aplicações financeiras. "Participei de reuniões dessas em Boston e Washington. Às vezes, você vê um grupo de 50 pessoas colocar US$ 100 mil em uma empresa."

No Brasil falta essa figura, o chamado "investidor-anjo". Por isso, os cientistas vão atrás dos fundos antes do tempo. Suas empresas não têm o grau de organização nem o tamanho necessário - faturamento mínimo de R$ 2 milhões por ano -, e eles acabam batendo com a cara na porta. "Há bons projetos, mas faltam atores nos capítulos anteriores", diz Gonçalves, do Stratus, que tem foco voltado a negócios maiores.

Essa lacuna não afeta só projetos ligados à inovação, mas é mais grave nesse segmento porque essas empresas não têm ativos tradicionais a oferecer, como fábricas ou equipamentos. "Cheguei a visitar bancos que pediam garantias reais de R$ 2 milhões a R$ 4 milhões", diz Oswaldo Basile, executivo-chefe da Disec, empresa de segurança da informação que recebeu um aporte da Rio Bravo. "O venture capital é uma saída quase única", afirma o empresário.

A boa notícia é que a aparição dos anjos ainda é rara, mas está-se multiplicando. "A deficiência é verídica, mas não acho que as condições sejam paralisantes", diz Levindo Santos, sócio da empresa de investimentos Jardim Botânico Partners e gestor do fundo Novarum, considerado o primeiro especializado em capital-semente no país.

A formação do Novarum não foi uma tarefa fácil. Em 2004, depois de retornar de Nova York, onde trabalhava na área de fusões e aquisições do banco Morgan Stanley, Santos foi morar em Belo Horizonte e logo detectou a lacuna do capital-semente. "Visitei mais de 70 pessoas até reunir 23 investidores pessoas físicas", conta. O fundo, cujo capital comprometido é de R$ 15 milhões, também inclui um investidor empresarial e a agência de fomento Finep. O fundo foi criado há dois anos e dois meses e a meta é investir em sete projetos até completar três anos. "A existência do Novarum comprova que existe dinheiro e oportunidades", diz.

Em breve um caminho semelhante pode atrair outras empresas. O grupo Alfa - que envolve o banco Alfa, os hotéis Transamérica e a rede de material de construção C&C, entre outros - avalia investir em pequenos projetos de tecnologia, embora nada esteja ainda definido. "Estamos estudando e aprendendo", diz Francisco Perez, responsável pelas sondagens do grupo. "Uma idéia é entrarmos na fase de pesquisa e desenvolvimento, anterior até a do investidor-anjo", afirma o executivo.

O setor público também procura aumentar as linhas de crédito para o capital-semente, enquanto no campo privado iniciativas parecidas começam a se firmar. É o caso da Infinity Invest Participações, dos anjos que entraram na AdTS, cujo aporte será de aproximadamente R$ 1 milhão. Partiu dos sócios da Infinity a iniciativa de vasculhar incubadoras até achar um projeto que parecesse viável. "Avaliamos 55 empresas", diz Luiz Guilherme Atalla Camasmie, um dos sócios.

As experiências demonstram que, no racional mundo da inovação, a fé - de investidores em empresários e vice-versa - encontrou seu lugar.