Título: Trapalhadas põem Enem em risco
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Fonte: Correio Braziliense, 09/11/2010, Opinião, p. 18

Visão do Correio

Outra vez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tira nota vermelha no quesito organização. Aplicado no domingo em todo o país, o teste mostrou falhas inaceitáveis. Entre elas, problemas de montagem, questões repetidas ou em falta, troca de gabarito, quebra de sigilo no tema da redação. Algumas só foram percebidas porque os alunos apontaram os erros durante a realização da prova. Estima-se que tenham sido distribuídos 2 mil cadernos incompletos.

Joaquim José Soares Neto, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do Ministério da Educação responsável pelo Enem, informou que nenhum aluno será prejudicado. Se necessário, há a possibilidade de reaplicar o teste. Daqui a aproximadamente um mês, presidiários farão o exame. Seria a hora de incluir os lesados na relação dos que vão se submeter à avaliação em data especial.

Trapalhadas no Enem vêm-se repetindo com indesejável frequência. Vale lembrar congestionamento do site, furto de provas, erro na divulgação do gabarito, vazamento de dados pessoais dos candidatos. As confusões cobram preço alto da sociedade. Além do prejuízo financeiro e dos sérios transtornos para o estudante e os familiares ¿ em 2010, 3,3 milhões de candidatos ¿, sobressai o custo moral. As sucessivas falhas desmoralizam o processo. A credibilidade despenca. É revoltante.

A educação esperou muito para ter instrumento de avaliação moderno e eficaz. O Exame Nacional do Ensino Médio veio como resposta capaz de preencher a lacuna. Inspirado em modelo aplicado na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o teste julga o ensino, não o aluno. As questões ignoram perguntas de algibeira ou baseadas na memória. Voltam-se para as que medem o raciocínio ¿ fundamental para a solução de problemas.

Vinte e quatro universidades federais utilizam as notas do exame para abrir as portas do ensino superior a jovens que antes só podiam entrar com o aval do vestibular ¿ sistema ultrapassado e injusto. Sem levar em conta a necessidade do acompanhamento periódico da aprendizagem, a modalidade obriga o aluno a jogar todas as fichas numa só cartada. As vagas nem sempre são preenchidas pelos melhores. Sorte e controle emocional contam mais que o mérito. Depois dos erros registrados em 2009, diversas instituições desistiram de considerar o resultado do Enem no processo seletivo.

Esperava-se que, em 2010, o MEC provasse que os tropeços passados foram acidente de percurso. Engano. A repetição das falhas confirma que a exceção ensaia tornar-se regra. Trata-se de retrocesso inaceitável. Perdem os alunos. Perde a educação. Perde o Brasil. O Ministério da Educação precisa tomar medidas efetivas capazes de evitar que se registrem novas trombadas. A correção de rumos passa, necessariamente, pelo planejamento correto.