Título: Novos infortúnios econômicos e políticos atingem o Mercosul
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/07/2012, Opinião, p. A10

Já abalado pelas constantes desavenças comerciais entre seus principais sócios, o Mercosul sofreu novo e duro golpe com a derrubada sumária do presidente Fernando Lugo, do Paraguai. Esse fato, que mostra a exasperante permanência de quadros institucionais democráticos frágeis no país vizinho, serviu de oportunidade para uma esperteza, a de permitir que a Venezuela se torne membro pleno do bloco. O Paraguai não aprovou até agora seu ingresso.

Lugo foi vítima de seus defeitos e das retrógradas instituições políticas paraguaias. O ex-bispo fez a façanha de encerrar em 2008, ainda que provisoriamente, o domínio do Partido Colorado, que teve seus anos de ouro durante os 35 anos da ditadura de Alfredo Stroessner. Mas seu ímpeto renovador foi perdendo força por não contar com uma base política que apoiasse as mudanças. Os colorados ganharam a maioria da Câmara dos Deputados e continuaram enquistados em boa parte do aparelho de Estado, uma herança de décadas de clientelismo político. Sem partido próprio, Lugo se apoiou em uma frente em que o peso maior era dos centristas do Partido Liberal, com peso no Parlamento, e uma miríade fluida de movimentos sociais e partidos de esquerda.

O presidente teve desde o início que governar com dois contrapesos - a direita no Congresso e os liberais na vice-presidência. O objetivo de ambos foi manter a estrutura agrária do país e sua enorme concentração de terras nas mãos de empresários, muitas delas ganhas de presente no reinado de Stroessner. Essa estrutura é responsável pelo atraso secular do país, um dos mais pobres da América Latina, e Lugo, um bispo que atuou entre os sem-terra, prometeu apressar a reforma agrária e os programas sociais para melhorar a distribuição de renda.

Tido como um dos seus pelos bolivarianos, Lugo foi um moderado indeciso. Ele não tentou, como Rafael Correa, no Equador, ou Hugo Chávez, na Venezuela, aproveitar a maré eleitoral favorável e convocar novo pleito para deslocar a seu favor o pêndulo político no Legislativo. Acuado politicamente e por problemas pessoais, ele não foi suficientemente enérgico na execução de suas promessas eleitorais. Ironicamente, o incidente usado como pretexto para retirá-lo do cargo - a morte de 11 sem-terra e 6 policiais em um conflito na fazenda de um rico latifundiário - foi emblemático. Sem ter agido para desapropriar as terras em questão, foi visto como um dos incentivadores dos movimentos camponeses que, no passado, apoiou.

Lugo, ao contrário dos colorados e de tradicionais políticos paraguaios, não tinha ligação com os poderosos interesses do contrabando e do tráfico de drogas. Era um grande estorvo a essas forças dominantes no Paraguai, acostumadas a agir de forma silenciosa e eficiente. Como no golpe contra Lugo, quase perfeito. Os preceitos constitucionais foram seguidos e o desfecho demonstrou o declínio de Lugo, já uma figura decorativa. Na Câmara, 71 votaram pelo impeachment e um contra. No Senado, 39 a 4. Não há dúvida de que ele não teve chance de defesa, embora isso talvez mudasse pouco o desfecho de seu drama político.

Mercosul e União das Nações da América do Sul foram estridentes nas reações iniciais e terminaram por colocar o Paraguai no limbo até a próxima eleição presidencial, em abril. As acusações de que as elites paraguaias haviam usado as instituições democráticas com fins escusos, feitas por Argentina, Venezuela e Equador, poderiam ter sido feitas também contra qualquer um desses governos acusadores. O Brasil impediu sanções econômicas ao Paraguai, uma posição sensata, mas agiu a reboque da Argentina ao usar essa sinistra chance para trazer Chávez para o palco do Mercosul.

Por suas ações autoritárias e antimercado, Chávez e Cristina Kirchner fecham a possibilidade futura de qualquer acordo comercial relevante com a União Europeia ou os EUA. Não é à toa que agora se voltam para os duvidosos benefícios de um acordo com a China. A tendência não é apenas de um progressivo fechamento de fronteiras para o comércio internacional, como já vem ocorrendo. O próprio comércio intrabloco mostra grandes recuos por causa das atitudes atrabiliárias de Cristina Kirchner, que afetam o Brasil e, igualmente ou mais, a Argentina. A adesão de um novo membro geralmente é um sinal de força de um bloco econômico. No caso do Mercosul, pode ser um ponto de inflexão em direção à irrelevância.