Título: Peña assume em dezembro, mas Brasil quer negociar já
Autor: Totti , Paulo
Fonte: Valor Econômico, 04/07/2012, Internacional, p. A9

Foi além do frio protocolo diplomático o telefonema da presidente Dilma Rousseff a Enrique Peña Nieto para cumprimentá-lo pela virtual eleição à Presidência do México. Segundo uma fonte da direção nacional do Partido Revolucionário Institucional (PRI) e provável integrante da equipe de transição do novo governo, Dilma, ao contrário do que fizeram outros presidentes, inclusive Barack Obama, dos Estados Unidos, foi além dos parabéns formais. Disse ter "pressa" no estreitamento das relações bilaterais e convidou Peña Nieto a visitar o Brasil ainda antes da posse, a 1º de dezembro.

A visita, lembrou Dilma, serviria para acelerar as negociações em torno de um acordo estratégico de integração econômica entre os dois países, bem mais avançado que os 44 tratados de livre-comércio (TLC) que o México tem pelo mundo. A ideia do acordo foi gestada durante visita a Brasília, em 2009, do atual presidente Felipe Calderón ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Os países deveriam começar a colocá-la no papel em 2010, mas o México pediu um adiamento por causa das negociações que então mantinha com Peru e Colômbia em torno de TLCs. Depois surgiu a necessidade de revisão do acordo automotivo entre Brasil e México. Como os congressos dos três países já aprovaram o TLC, e o impasse sobre automóveis foi resolvido, este seria o momento, sugerido por Dilma, para o acordo estratégico ser efetivamente negociado. Agendado desde segunda-feira, o telefonema ocorreu ontem às 9h30 (11h30 em Brasília).

O informante não soube dizer quanto tempo durou a ligação, mas disse que Dilma e Peña chegaram a lembrar que Brasil e México representam, juntos, mais da metade do espaço territorial, população e produção da América Latina - somados, os PIBs chegam a dois terços. E que, por isso, não deveriam seguir tão distanciados.

Diplomatas de ambos os lados concordam que o pragmático PRI não deverá afastar-se dos Estados Unidos, destino de 80% das exportações mexicanas, facilitado pelo Nafta, o tratado de livre-comércio que inclui o Canadá. Mas há a considerar que nos 20% restantes das exportações mexicanas, 7% se destinam ao Brasil. A corrente de comércio bilateral é superior a US$ 9 bilhões (em 2011, o Brasil exportou US$ 3,959 bilhões e importou US$ 5,130 bilhões) e o embaixador do Brasil, Marcos Raposo Lopes, que conhece Dilma, pois foi chefe do protocolo do Palácio do Planalto durante o governo Lula, diz-se convencido de que as perspectivas são de melhoras.

O embaixador não vê por parte do PRI qualquer indício de que as relações Brasil-México possam sofrer um retrocesso. A embaixada, aliás, aparenta tranquilidade quanto à alternância de poder no México, graças ao trânsito fácil com as três correntes mais importantes da política local. O presidente Calderón costumava a usar o Brasil, como país de referência. "Sempre para colocar o México à frente: "o México formou mais engenheiros, tem mais comércio que o Mercosul, mais competitividade?" ", observou o repórter. "Mas Calderón aprovou a ideia de Lula para esse acordo que, concretizado, irá bem além de simples entendimento sobre tarifas alfandegárias", respondeu o embaixador.

Petrobras e Bolsa Família são exemplos de originalidades brasileiras que interessam ao populista PRI e ao esquerdista Partido da Revolução Democrática (PRD), apurou o Valor. O fato de a Petrobras ter quase metade de suas ações em bolsa desperta a atenção do PRI face às dificuldades que tem a estatal mexicana Pemex de financiar-se, pois suas receitas vão direto para os cofres do Estado. E o Bolsa Família viria a calhar para um governo do litigante Andrés Manuel López Obrador (PRD). São duas razões para simpatia mútua, acompanhada, é claro, de competição.

Na prática, Brasil e México têm sido amigáveis na recepção de investimentos de empresas situadas em um e outro país. Os investimentos diretos do México no Brasil são em torno de US$ 20 bilhões - oitava posição no ranking. E os do Brasil no México atingem US$ 1,2 bilhão, décima-oitava posição, que passará à oitava, à frente do Japão, quando a Braskem integralizar seu investimento de US$ 4 bilhões já em curso numa planta de etileno no Estado de Vera Cruz.

O grupo mexicano Carso, do magnata Carlos Slim Helú, é o maior investidor no Brasil, com a propriedade das telefônicas Claro e Embratel e participação controladora na Net. Outras mexicanas notáveis são Amanco (tubos e conexões), Femsa (Coca-Cola), Bimbo (pães Pullman e Plus Vita), Mabe (eletrodomésticos), Elektra e banco Azteca (instaladas no Nordeste, a primeira vende eletrodomésticos e o segundo financia), Cinépolis (rede de cinema, com previsão de instalação de mais 50 salas e novo investimento de US$ 100 milhões), Alsea (50 restaurantes de comida chinesa, com as marcas Chili"s e P.F. Chang) e Mexichem (petroquímica).

Investimentos brasileiros no México, além da Braskem, são da Marcopolo, carrocerias de ônibus, Odebrecht, espalhada pelo país em obras de construção civil, Gerdau, siderúrgica, Embraco, que produz 10 mil compressores por dia e pretende chegar a 90 mil até 2013, Weg, motores elétricos, e Stefanini e Totvs, informática. O banco Itaú ainda não trabalha no varejo, mas já atua no México no setor de cartões de crédito.

A facilidade do acesso aos EUA é uma das razões do interesse brasileiro no México. Quanto ao Brasil, os mexicanos se sentem satisfeitos em conquistar o mercado interno.

Por via diplomática, como se sabe, Brasil e México superaram o maior momento de tensão nas suas relações comerciais no começo deste ano. Foi quando o Brasil se sentiu prejudicado pelo brutal avanço das exportações da indústria automotiva mexicana. O acordo existente desde 2003, ACE-55, de privilégios tarifárias entre as duas partes vinha harmonizado até 2009, quando se percebeu que, em relação ao Brasil, as vendas mexicanas atingiram um crescimento de 1.300% e as brasileiras para o México, de 3%.

Resumidamente, são duas as principais razões do fenômeno: o crescimento do mercado interno brasileiro, acessível aos carros mais caros produzidos no México, e o fato de o México permitir o ingresso em seu território de carros usados dos EUA, até com menos de um ano de fabricação, o que diminuiu o interesse mexicano por carros pequenos fabricados no Brasil. Negociações resultaram na fixação de cotas progressivas em valor para o intercâmbio: US$ 1,45 bilhão até março de 2013; US$ 1,56 bilhão até março de 2014, e US$ 1,64 bilhão até março de 2015. Além disso, estabeleceu-se a exigência também progressiva de 30% a 40% de conteúdo regional (México, Brasil e Mercosul) nos carros exportados. Passados os três anos, continuará ou possivelmente aumentará a exigência de conteúdo regional, mas os tetos em dólares voltarão a ser livres como eram antes de o acordo ser renegociado.

No Brasil o acordo não teve repercussões políticas, mas no México, já em campanha eleitoral, o secretário da Economia, Bruno Ferrari, foi muito criticado por ter cedido diante do Brasil, e um jornal publicou uma charge em que aparece Dilma batendo um pênalti e Felipe Calderón deixando a bola passar por baixo das pernas.