Título: Usinas do Nordeste se "nacionalizam"
Autor: Mandl, Carolina e Scaramuzzo, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2006, Agronegócios, p. B12

Os principais grupos de açúcar e álcool de Alagoas e Pernambuco, maiores produtores de cana do Nordeste, já produzem fora de sua terra natal o equivalente a toda produção de matéria-prima processada nos dois Estados juntos - cerca de 40 milhões de toneladas. O avanço constatado é reflexo de pesados investimentos no centro-sul do país, sobretudo em Minas Gerais, e mais recentemente em Estados do Centro-Oeste, região considerada a mais nova fronteira para os canaviais.

Nos últimos cinco anos, os grupos nordestinos fizeram aportes da ordem de R$ 2,2 bilhões na expansão da atuação fora de seus Estados, apurou o Valor junto aos sindicatos das indústrias de açúcar e álcool de Alagoas e Pernambuco.

O movimento migratório das empresas nordestinas para o Sudeste começou há pelo menos dez anos. A topografia acidentada, que limita a expansão da cultura da cana no Nordeste, e o clima adverso são apontados como principais fatores que levaram os usineiros nordestinos a apostarem em outras regiões, lembra Pedro Robério Nogueira de Mello, presidente do Sindaçúcar/Alagoas. "Os grandes grupos alagoanos já produzem fora do Estado o equivalente à produção de cana de Alagoas", reitera o dirigente. O mesmo ocorre com os grupos com sede em Pernambuco.

"Os nordestinos não têm o mesmo perfil dos recentes investidores do setor. Os empresários têm experiência de mais de 50 anos com açúcar e álcool e não esperam retorno rápido, como os atuais grupos", diz Mello. Nos últimos meses, o Centro-Oeste consolidou-se como o novo alvo dos grupos do Nordeste interessados em expandir suas unidades. A região tem forte potencial de consumo de álcool combustível e dispõe de terras mais baratas que em São Paulo (maior Estado produtor do país) e que em Minas, que comemora um "boom" de investimentos.

Tais fatores norteiam, por exemplo, o grupo EQM, presidido pelo empresário Eduardo de Queiroz Monteiro. A estratégia dos pernambucanos tem sido comprar usinas em Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. "Nossa opção é adquirir empresas que estejam em dificuldade [financeira], em locais com terras baratas", afirma Afrânio Tavares da Silva, diretor de projetos do grupo.

Além disso, o EQM tem aproveitado a diversificação geográfica para racionalizar o uso de mão-de-obra e equipamentos. Como as safras do centro-sul e do Nordeste têm ciclos diferentes, as mesmas máquinas e funcionários podem trabalhar em todas as unidades do grupo. Da usina Cucaú, em Pernambuco, um funcionário pode, após a colheita, iniciar o plantio no Mato Grosso, por exemplo.

Sem especificar seus projetos de expansão, Silva afirma que o grupo investirá cerca de R$ 200 milhões nos próximos quatro anos. Os planos, entretanto, poderão ser acelerados. Isso porque, de acordo com ele, o EQM vem conversando com alguns investidores nacionais e estrangeiros para estabelecer parcerias.

"Ao partir para outras regiões do país, os nordestinos estão conseguindo anualizar seu fluxo de caixa. A produção de cana se dá o ano inteiro em diferentes áreas do Brasil", ressalta Renato Cunha, presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar/PE).

O movimento migratório dos empresários do centro-sul para o Nordeste, por sua vez, é inviável, uma vez que não há áreas agrícolas para expansão na região, além da topografia acidentada. "Seria preciso adquirir usinas já existentes e, no atual ciclo do mercado, ninguém parece muito disposto a vender", diz Cunha.

O grupo alagoano Coruripe, da família Tércio Wanderley, foi um dos pioneiros, junto com os grupos Carlos Lyra e João Lyra, do mesmo Estado, a investir em unidades produtoras de açúcar e álcool no Triângulo Mineiro. Fundado em 1941, o Coruripe concentrou todos os negócios de açúcar e álcool no Nordeste até o início da década de 90. Em 1994, comprou uma destilaria em Iturama, no Triângulo Mineiro, que se tornou a primeira filial da companhia fora do Nordeste. A segunda unidade em Minas, a filial Campo Florido, construída em 1999, foi projetada por conta da desativação de uma destilaria que era mantida em Alagoas. No ano passado, entrou em operação a terceira unidade do grupo em Limeira do Oeste, também em Minas. Em dois anos, outras duas usinas do grupo entrarão em operação no Triângulo Mineiro.

Prejudicadas nos últimos dois anos pelo clima seco no Nordeste, as usinas da região deverão colher 50 milhões de toneladas de cana nesta safra, 4% mais que no ciclo passado. Alagoas e Pernambuco respondem por 80%.