Título: Bancos estrangeiros querem novas regras para debêntures
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2006, Finanças, p. C3

Um banco que coordena uma operação de emissão de debêntures para um cliente é proibido de vender até 100% dos papéis para um fundo mútuo de terceiros que está sob administração do gestor de recursos do mesmo grupo? Um banco de varejo, ao emitir debêntures por meio de uma leasing, é proibido de vender 100% dos títulos para um fundo que está sob sua administração? No Brasil, a resposta é não. Não há nada explícito na lei que impeça essa prática, que nos EUA é proibida desde 1940.

Com o crescimento no mercado de debêntures - o total a ser emitido neste ano pode chegar ao recorde de R$ 50 bilhões, segundo o "IFR Markets", na comparação com R$ 44,72 bilhões de 2005 - a discussão ganha importância e têm sido colocada insistentemente por bancos de investimento estrangeiros. Eles reclamam, pois querem ampliar sua fatia de participação no mercado brasileiro, hoje dominado pelos nacionais.

Os bancos estrangeiros dizem que os bancos nacionais dão garantia firme de compra de 100% das debêntures às empresas e ganham a liderança das operações, pois têm como vendê-la facilmente aos próprios fundos ou então colocá-la nos próprios e grandes balanços do grupo ao qual pertencem. O Banco do Brasil, Bradesco, Itaú BBA e Unibanco vem se alternando na primeira posição entre os originadores e distribuidores no mercado interno de renda fixa, segundo os rankings da Anbid (Associação Nacional dos Bancos de Investimento).

A legislação de número 2554, de 1998, do Banco Central, determinou a criação da chamada "muralha da China" nos bancos brasileiros. Eles passaram a ter a obrigação de criar "controles internos" para estabelecer a segregação da atividade de gestão de recursos de terceiros das outras atividades do banco, de forma que seja evitado o "conflito de interesses". O banco pode criar uma empresa separada, com sede, empregados e sistemas próprios, ou segregar as atividades dentro do próprio banco, limitando o acesso dos demais funcionários. Mas a história parou por aí.

"Não há nada explícito nas leis e regras de atuação do mercado que proíba um banco de vender títulos privados aos fundos administrados pelo próprio banco ou por outras empresas do mesmo grupo", confirma Luiz Roberto de Assis, sócio do Levy & Salomão Advogados. A Comissão de Valores Mobiliários, que supervisiona a indústria de fundos, tem até uma regra, a de número 400, no seu artigo 48, que especifica que os bancos intermediários na emissão de valores mobiliários não podem negociar títulos do ofertante ou da emissora até o final da distribuição. "Mas, a instrução normativa abre exceção para o regime de garantia firme e para negociações por ordem de terceiros", explica Erik Oioli, advogado associado da Levy & Salomão e especialista em emissões no mercado local. É essa instrução da CVM que os bancos estrangeiros gostariam de ver alterada.

Nos Estados Unidos, as regras são outras. Depois do grande "crash" nos mercados em 1929, o Congresso aprovou leis para proteger o investidor de varejo. Uma delas é o "Investment Company Act". Essa lei, em sua seção 10 (F), explicita que, como regra geral, um fundo registrado na Securities and Exchange Comission (SEC, o xerife do mercado financeiro americano), não pode comprar valores mobiliários quando o banco que origina e distribui a operação é do mesmo grupo econômico. A maioria dos fundos de varejo nos Estados Unidos é registrado na SEC.

"Há exceções", afirma Gregory Harrington, sócio da Linklaters. Mesmo nesses casos, no entanto, o fundo não pode comprar mais do que 25% do total da emissão e precisa comprá-la do banco que também distribui a operação, mas não é do mesmo grupo que o seu. Os conselheiros do fundo precisam aprovar o procedimento, que tem de ser realizado quando o processo de venda é a garantia firme. Os valores mobiliários tem de ser registrados na SEC ou ser emitidos pelo governo americano ou registrados nas regras 144A - de emissões privadas externas vendidas para o investidor qualificado no mercado interno americano.

E mais: na seção 12D3 da mesma lei, o fundo registrado na SEC é proibido de comprar valores mobiliários emitidos não somente por empresas do mesmo grupo, mas também por outras empresas da mesma indústria - de outros grupos administradores de fundos, corretoras, bancos de investimento ou distribuidoras. A idéia é evitar explicitamente conflito de interesses e não prejudicar os fundos.

A discussão, obviamente, também se coloca no mercado de ações no Brasil. Mas, nesse mercado, os bancos estrangeiros não reclamam, pois são os principais coordenadores das emissões. Os investidores no mercado de ações ainda são, em sua maioria, outros bancos ou grandes fundos de pensão e não os fundos de varejo. Ações, os bancos estrangeiros podem vender em grande volume ao investidor estrangeiro, pois possuem isenção fiscal. Já as debêntures têm Imposto de Renda de 15% sobre o rendimento, o que torna esses papéis pouco atrativos aos estrangeiros em relação aos títulos públicos, que são isentos para esse tipo de investidor. Os bancos estrangeiros pressionam também para acabar com essa tributação.