Título: Supremo garante seqüestro de renda em precatório alimentar
Autor: Prestes, Cristine
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2006, Legislação & Tributos, p. E1

Uma decisão inédita tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim da semana passada pode acabar provocando uma sangria nas contas de Estados e municípios a partir do seqüestro de receita para o pagamento de precatórios alimentares em atraso. Por unanimidade de votos, os ministros decidiram que o seqüestro de receita é possível no caso de uma credora do Estado da Paraíba portadora de uma doença grave e incurável. O precedente do Supremo é único e o voto do ministro Eros Grau deixa claro que o seqüestro foi possível apenas diante de uma exceção. "Estamos diante de uma situação singular, exceção, e as normas só valem para as situações normais", disse. Mas a exceção, em se tratando da dívida com precatórios alimentares dos Estados e municípios brasileiros, não é tão rara assim.

De acordo com um estudo realizado pelo Movimento dos Advogados de Credores Alimentares (Madeca), hoje há mais de 600 mil credores de precatórios alimentares do município e do Estado de São Paulo. No Estado, 45 mil deles já morreram sem receber os valores a que tinham direito. No município, os mortos somam 10 mil. Do total de credores, mais de 70% tem idade superior a 65 anos. Não é difícil imaginar, portanto, que boa parte desses credores tenha condições de alegar o mesmo tipo de exceção para obter o seqüestro de receita e, assim, receber os valores devidos pelo poder público.

O advogado Felippo Scolari Neto, presidente do Madeca e especializado no atendimento a credores de precatórios alimentares, cita o caso de uma cliente que entrou na Justiça contra o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp) em 1992 para receber a diferença dos valores pagos a título de pensão do marido, já morto. Ganhou a ação em 2000 e o processo de execução foi concluído em 2002, com um precatório no valor de R$ 30 mil emitido para quitação no ano seguinte. Até agora, no entanto, o valor não foi pago à viúva, hoje com câncer em estado avançado. "Vamos estudar essa tese nova do Supremo e a possibilidade de tentar o seqüestro de receita", afirma.

A fila não é exclusividade de São Paulo. O advogado Telmo Schorr, também especialista no assunto e que atua no Rio Grande do Sul, tem três mil credores de precatórios em sua carteira de clientes. Desses, cerca de 70 são pessoas com doenças terminais como aids, câncer ou já na UTI de hospitais - que em tese poderiam ser beneficiados com o seqüestro de receita para a quitação de seus precatórios a partir da decisão do Supremo.

Segundo Schorr, já há algumas decisões de tribunais que permitem o seqüestro de receita de Estados e municípios no caso de pessoas portadoras de doenças graves. Mas a segunda instância do Judiciário ainda decide de forma divergente sobre o tema. "A decisão do Supremo põe uma pá de cal na divergência, pois abre um precedente nacional sobre o tema", diz. O advogado acredita que a decisão do Supremo deve provocar um grande fluxo de ações com pedido de seqüestro de receita e que os tribunais devem seguir na esteira da decisão do Supremo.

O procurador-geral do Estado de São Paulo, Elival da Silva Ramos, no entanto, acredita que a decisão do Supremo é um caso isolado que rompe a jurisprudência já firmada na corte. "A decisão do Supremo é muito grave e se ela se tornar generalizada pode vir a criar um problema orçamentário e inviabilizar o poder público", afirma. Ramos diz ainda que se o novo entendimento for generalizado deve ocorrer uma reação dos procuradores estaduais, que facilmente poderão mostrar aos ministros do Supremo o equívoco da decisão.

O atraso no pagamento de precatórios alimentares - decorrentes de ações judiciais como pedidos de pensão e indenização por acidentes - e não-alimentares - devidos por desapropriações de terras e outras questões patrimoniais - é corrente no Brasil. A Constituição Federal prevê que o não-cumprimento de decisões judiciais - como o pagamento de precatórios - sujeita os Estados à intervenção federal. O Supremo, no entanto, entende que a intervenção só pode ser feita caso o Estado devedor tenha recursos e não pague os precatórios injustificadamente.