Título: Calmaria com Espanha tende a ser temporária
Autor: Pacheco , Filipe
Fonte: Valor Econômico, 04/07/2012, Finanças, p. C11

A semana tem sido de relativa calmaria nos mercados financeiros para a Espanha. Desde que foi divulgado, na última sexta-feira, o acordo dos líderes da zona do euro para um fundo de socorro de € 500 bilhões para apoiar a recapitalização direta de bancos em dificuldades, o principal indicador da bolsa de Madri se valorizou 7,41% - sendo que acumulava queda anual de 22,17% até o fechamento de quinta.

No entanto, a fragilidade da economia espanhola vai muito além dos problemas enfrentados por seu sistema bancário e o alívio vivenciado no momento tende a ser temporário, defende o professor Eduardo Martínez Abascal, especialista em finanças e sistema bancário do IESE Business School, uma das mais importantes escolas de economia da Espanha.

Ontem o ministro das Finanças espanhol, Luis de Guindos, afirmou que os termos finais da ajuda de até € 100 bilhões da União Europeia para o país provavelmente permitirão que os fundos sejam canalizados diretamente para as instituições financeiras. Assim, as cifras não pesarão diretamente como dívida do governo espanhol.

A finalização dos termos do acordo é esperada para a próxima segunda-feira, dia 9, quando ministros das Finanças da região se reúnem em Bruxelas. Porém, uma fonte próxima à questão disse à agência Reuters que são necessários "mais alguns dias", e um novo encontro estaria sendo "programado" para 20 de julho.

"Temos vários problemas que acontecem ao mesmo tempo na Europa e na Espanha, é como um corpo com vários órgãos doentes", explica o professor. "Vimos até agora uma falta de atuação por parte do conjunto europeu, ao mesmo tempo em que havia uma forte intranquilidade dos mercados financeiros. Por isso, temos que tratar vários sintomas ao mesmo tempo", disse o especialista em entrevista ao Valor na sede do IESE em São Paulo.

Na última reunião da União Europeia, foi acordado que o Banco Central Europeu (BCE) fará a supervisão direta dos bancos da zona do euro. Caberá também à instituição a autorização para o acionamento do apoio a países da região por meio da compra de bônus por fundo de resgate. "Quanto mais centralizada for a atuação, melhor", defende Abascal. Mas ele considera que uma injeção direta de capital no sistema bancário espanhol, apesar de extremamente necessária para evitar uma quebradeira no país, não irá resolver o problema dos fraquíssimos indicadores de crescimento da economia.

A crise bancária local, explica o professor, teve sua origem na expansão exagerado do crédito no país ao longo da década de 90. "Dos cerca de € 1,8 trilhão emprestados por bancos na economia espanhola, € 800 bilhões são de crédito para a compra de moradia." Com o estouro da bolha imobiliária e a economia agonizante, as pessoas pararam de pagar suas hipotecas e o sistema começou a ruir, aponta o acadêmico. "Portanto, a raiz do problema não é unicamente bancária, mas sim de falta de crescimento econômico."

Para tratar dos sintomas da agonizante economia espanhola, Abascal defende uma total união financeira e bancária dos países que adotam o euro, ainda que não haja uma política fiscal comum. "Tenhamos como exemplo os Estados Unidos: lá existe a clara atuação de um banco central único e comum para todo o país, o Fed [Federal Reserve, o banco central americano]. Mas cada Estado tem sua política financeira separada. E dá certo."

O especialista avalia que o atual modelo europeu é ineficiente por que o BCE não consegue fiscalizar bem as cifras que injeta na economia da região, nem avaliar a necessidade dos bancos problemáticos individualmente. "Por isso também é necessário que o BCE seja o regulador do sistema bancário", defende. Ele não considera, entretanto, que a dívida dos bancos está se transferindo para um problema de dívida pública, como defendido por muitos analistas, "por que a maior parte dos títulos soberanos espanhóis foram emitidos com taxas de rendimento aos investidores muito mais baixas no passado e não perto daquelas altísssimas dos últimos meses". Títulos de dívida espanhóis chegaram a oferecer rendimentos em torno de 7% em leilões recentes - percentual considerado crítico para a sustentação da dívida soberana a longo prazo por qualquer Estado.