Título: SP quer ser o Vale do Silício brasileiro
Autor: Borges, André
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2006, Empresas, p. B3

Quando a Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA), decidiu fazer das terras desocupadas em seu entorno um atrativo para a formação de um pólo industrial, nos idos de 1940, basicamente o que se buscava era a concentração de professores de alto gabarito para a escola. O que estava prestes a nascer, porém, logo se mostraria bem mais complexo e que uma mera ampliação de excelência acadêmica.

De maneira quase natural, brotava em solo californiano o que a partir dos anos 70 passaria a ser conhecido com o Vale de Silício, o berço da indústria de semicondutores e da alta tecnologia que transformaria completamente aquele espaço urbano e consolidaria a região como o maior ícone de inovação dos Estados Unidos. Hoje, mais de seis décadas depois, 13 das 20 cidades americanas consideradas as mais criativas daquele país estão na Califórnia. Dessas, dez ficam no Vale do Silício.

É com um viés menos natural e mais induzido que cinco cidades paulistas estão se mexendo para criar um eixo de alta tecnologia no Estado. Desde julho do ano passado, os municípios de Campinas, Ribeirão Preto, São Carlos e São José dos Campos, além da capital paulista, correm para dar impulso ao que pretende ser o "Vale do Silício paulista".

Assim como na experiência americana, pesou na escolha das cidades o ambiente acadêmico que já possuem. Dados da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico de São Paulo apontam que, em 2003, a capital paulista foi responsável pela formação de 2.141 PhDs; Campinas teve 771 pesquisadores; São Carlos, 310; Ribeirão Preto, 211; e São Jose, 60.

Além do potencial científico, também foram levados em conta o ambiente industrial já instalado e as especialidades tecnológicas de cada região, afirma o secretário adjunto de ciência e tecnologia do Estado, Sérgio Robles Reis de Queiroz. Em São José dos Campos, as competências caminham para o setor aeroespacial, ao lado da biomedicina e da logística. A instrumentação agropecuária, biotecnologia e mecânica fina passam por São Carlos. Em Ribeirão Preto, as inovações estão mais ligadas às áreas de saúde e biotecnologia, enquanto Campinas se mostra mais inclinada para a tecnologias da informação, assim como a capital paulista.

Para viabilizar o projeto, o governo do Estado reservou um orçamento de R$ 11 milhões, mas apenas R$ 6 milhões foram liberados. Os demais R$ 5 milhões, comenta Queiroz, acabaram contingenciados. A iniciativa, explica ele, prevê a contrapartida das prefeituras e das empresas interessadas em entrar nos parques de tecnologia, o que já aconteceu em São Carlos (veja nesta página).

O secretário admite que o recurso atual é pequeno, e acredita que outros R$ 90 milhões tenham que ser reservados pelo Estado para dar impulso ao projeto em 2007. "O importante neste momento é consolidar cada proposta, ter um plano de negócios em cada região", diz.

O Brasil não está sozinho nessa corrida pelos parques de inovação. Segundo o diretor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, João Steiner, atualmente a China conta com 64 parques tecnológicos, os Estados Unidos têm 81 e Israel trabalha com 27 instalações baseadas no mesmo modelo. "Até a Espanha, que hoje tem 25 parques, vai criar mais 50 centros de inovação", comenta.

No Brasil, justifica, atualmente há dezenas de iniciativas similares, mas nenhuma que se atenha ao modelo agora proposto. Um parque tecnológico, explica Steiner, tem que reunir fatores básicos em um mesmo ambiente, entre estes a instalação de empresas orientadas a nichos específicos de inovação, fortes instituições de ensino, área para moradia de funcionários e serviços comuns de bens de consumo. Além disso, o que se busca nestes pólos são "companhias âncoras" de grande porte, as quais orientarão as demais empresas a serem instaladas no local, gerando um ecossistema de inovação.

"Não se trata de um simples empreendimento imobiliário", garante Steiner. "Há um projeto por trás da iniciativa, por isso cada um dos parques conta com um comitê gestor, que define as diretrizes e o perfil empresarial que deve ser seguido."

Ao reunir ciência e mercado em um mesmo ambiente físico, os parques tecnológicos também procuram trazer mais equilíbrio à balança do conhecimento do país. Hoje o desafio não é apenas ampliar o volume de cientistas. "Temos que reorientar as áreas de atuação desse conhecimento", diz Steiner, que também é o coordenador do Sistema Paulista de Parques Tecnológicos.

Enquanto nos Estados Unidos 70% dos pesquisadores estão na indústria, contra 15% na academia e os demais 15% no governo, no Brasil a situação praticamente se inverte. Quase 75% dos doutores formados trabalham dentro de universidades, apenas 20% está na indústria e 5% no setor público.

"Os países perceberam que não basta contar com arranjos produtivos naturais, como já acontece em algumas cidades do Brasil. É preciso incentivar a criação de parques especializados", diz o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, que também acredita na possibilidade de o modelo se espalhar por outros Estados, como Rio Grande do Sul e Pernambuco.

Para além da tarefa de atrair grandes multinacionais, brasileiras ou não, os parques tecnológicos querem dar espaço para pequenos e médios empreendedores. Foi com a inspiração de ambientes dessa natureza que, em 1937, os engenheiros Bill Hewlett e David Packard começaram a trabalhar em uma pequena garagem, na cidade de Palo Alto, Califórnia. A idéia dos fundadores da HP era criar um oscilador de áudio. Eis o que criaram.