Título: Lula ensaia a troca da faixa presidencial
Autor: Silveira, Igor
Fonte: Correio Braziliense, 04/11/2010, Política, p. 5

Presidente cancela reunião ministerial para conversar com Dilma Rousseff e, ao lado da sucessora, concede entrevista em tom de despedida, na qual "apresenta" a futura comandante do Brasil

A agenda oficial da Presidência da República marcava, para as 9h30 de ontem, uma reunião de coordenação. Faltando 10 minutos para o compromisso, no entanto, uma mensagem publicada pela assessoria de imprensa do Palácio do Planalto no Twitter informava uma alteração significativa.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se reuniria mais com os chefes de pastas estratégicas e receberia a presidente eleita, Dilma Rousseff. O primeiro encontro oficial entre os dois durou cerca de uma hora e possibilitou a Lula apresentar a futura presidente e, novamente, reforçar que não vai interferir no próximo governo. Ele aproveitou para mandar um recado à oposição, pedindo que os rivais deem mais atenção aos interesses nacionais e menos às disputas políticas.

Lula estava bem-humorado. Enquanto cumprimentava os jornalistas, tecia comentários rápidos, em tom de alívio, sobre a vitória de sua pupila no pleito do último domingo.

Mesmo com a presença dos ministros Alexandre Padilha, das Relações Institucionais; Guido Mantega, da Fazenda; Paulo Bernardo, do Planejamento; e Franklin Martins, da Comunicação Social; o presidente preferiu conversar sozinho com Dilma. De acordo com Lula, essa deve ser a primeira de muitas reuniões entre os dois até o fim do ano. Ele quer discutir com a presidente eleita antes de tomar decisões que terão impacto direto sobre a próxima gestão, como a indicação do próximo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e a compra de caças militares para a Força Aérea Brasileira.

A simbólica passagem de bastão de Lula para Dilma ficou evidente em um segundo momento da entrevista coletiva que os dois deram após a reunião. O presidente fez questão de se despedir de todos e voltar ao gabinete presidencial para deixar a ex-ministra respondendo às perguntas mais à vontade. Lula quer ressaltar a ideia de que o governo, incluindo a equipe ministerial de Dilma, será feito à imagem e semelhança da presidente eleita.

É ela, e somente ela, quem pode dizer aos partidos aliados se concorda ou não com as pessoas, e somente ela e os partidos aliados é quem irão construir a coalizão. Na minha cabeça, funciona a seguinte tese: rei morto, rei posto. Um ex-presidente da República não indica, não veta. Só darei algum conselho se, um dia, for pedido.

Lembrando que fez parte da oposição durante muitos a-nos e que perdeu mais eleições presidenciais que Serra, Lula disse que se opor aos governos de maneira raivosa e vingativa, não acrescenta à democracia. Contra mim, não tem problema, podem continuar raivosos, podem continuar do jeito que sempre foram. Mas, a partir de 1º de janeiro, que eles olhem um pouco mais o Brasil, que eles torçam para que o Brasil dê certo, porque, cada vez que tomam alguma atitude, em vez de prejudicar o presidente, eles prejudicam a parte mais pobre da população.

Descartada a volta em 2014

O presidente Lula rechaçou a possibilidade de concorrer às eleições de 2014. Ele classificou a hipótese como uma temeridade porque, com os altos índices de aprovação do governo, a expectativa gerada seria infinitamente maior que no pleito de 2002. Contarei até um milhão toda vez que pensar em voltar, disse. Dilma não precisa inventar. Se ela fizer tudo o que ela sabe que tem que fazer, ela tem todo o direito de, em 2014, ser candidata outra vez, emendou.