Título: Entrada no Mercosul assusta a já declinante indústria venezuelana
Autor: Murakawa , Fabio
Fonte: Valor Econômico, 05/07/2012, Internacional, p. A11

A entrada da Venezuela no Mercosul, aprovada na semana passada, preocupa os empresários venezuelanos. Eles se dizem despreparados para competir com empresas brasileiras e argentinas, preveem um aumento da assimetria no comércio com os novos parceiros e criticam a maneira como a adesão ocorreu, à revelia do suspenso Paraguai. Além disso, dizem não terem sido consultados em nenhum momento sobre o tema, cujas negociações vêm desde 2006.

"Parece-me um pouco estranho que se aproveite a sanção ao Paraguai para incluir a Venezuela no Mercosul. O Paraguai está suspenso, mas ainda é membro do bloco", disse ao Valor Ismael Pérez, presidente-executivo da Conindustria, que representa o setor industrial do país. "É uma forma de entrar pela porta dos fundos."

No campo econômico, diz Pérez, o caminho adequado para a integração venezuelana ao Mercosul seria a volta do país à Comunidade Andina de Nações (CAN), que, segundo ele, tem economias com interesses mais afinados aos venezuelanos, como Peru, Colômbia, Equador e Bolívia. O presidente Hugo Chávez finalizou em 2011 a retirada do país da CAN, que já havia anunciada em 2006, depois que Peru e Colômbia assinaram acordo comercial com os EUA.

A posição de Pérez é idêntica à do candidato da oposição à Presidência, Henrique Capriles. "Não posso comparar o Brasil, em termos de competição, com a Venezuela. Ficamos para trás. Acho que podemos ter muito mais força, para negociação com o Mercosul, se nos incorporarmos à CAN", disse em entrevista ao Valor, em abril.

A falta de competitividade, aliás, é a maior preocupação dos empresários. E, para eles, o maior culpado é o governo. Segundo Pérez, a política intervencionista de Chávez foi responsável pelo fechamento de 500 mil postos de trabalho na indústria durante seu governo, iniciado em 1999. Nesse período, a participação do setor no PIB diminuiu de 17% para 13%.

"Na Venezuela, há um cerco à indústria. Estamos sujeitos a controle de câmbio e de preços, expropriações, reajustes desequilibrados de salários, carga de impostos abusiva", afirma Péres. "Teríamos que revisar essas condições, porque senão a Venezuela será um simples comprador no Mercosul. E isso já se reflete na balança comercial com os novos parceiros."

No ano passado, a Venezuela importou US$ 6,7 bilhões dos países do Mercosul, contra exportação de US$ 1,9 bilhão. No período, as exportações brasileiras para a Venezuela somaram US$ 4,591 bilhões. Em contrapartida, as exportações venezuelanas para o Brasil foram de US$ 1,266 bilhão. A última vez em que a Venezuela teve superávit com os quatro países do bloco, que incluem ainda Uruguai e Paraguai, foi no ano 2000.

Carlos Fernandes, presidente da Consecomercio, entidade do setor terciário, ecoa o temor de Pérez. E acrescenta que alguns setores da economia local estão mais seriamente ameaçados, como a agricultura e a indústria de alimentos. "É importante manter e ajudar a soberania alimentar da Venezuela."

Fernandes se queixa de que as empresas não foram consultadas sobre o processo de integração ao Mercosul. "Não fomos convocados para nenhuma discussão e desconhecemos a estratégia para a integração, os passos, os projetos e as políticas específicas", disse. "Não digo que não existam, mas nós não conhecemos e não fomos convocados para delinear essas políticas."

O presidente da consultoria Datanálisis, Luis Vicente León, diz que a entrada do país no Mercosul não terá grande impacto, pois a indústria do país já está "absolutamente diminuída". "É certo que [a indústria] não tem como competir com o Mercosul, mas também não têm com os produtos chineses", disse. "O país importa 80% de tudo o que consome. A situação já é crítica para a indústria venezuelana, não precisa do Mercosul para estar em desvantagem absoluta."

Para León, a adesão ao Mercosul tem mais importância política que econômica para Chávez. "Ele mostra que não está isolado. Que, apesar de não ter relações com os EUA, consegue colocar a Venezuela em uma dimensão distinta", diz. "Ao fazer acordo com países importantes, como o Brasil, Chávez ganha mais um fórum para poder falar."