Título: Novas rotas
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2004, Especial, p. F1

A aprovação da lei das parcerias público-privadas (PPP) poderá tornar viáveis alguns projetos importantes na área de infra-estrutura, mas seu impacto deverá ser muito menor do que sugere o barulho feito pelo governo federal em torno do assunto. Há muita incerteza no setor privado e vários projetos que o governo federal espera deslanchar com as PPPs estão cercados de interrogações. Quando mandou o projeto de lei das PPPs para o Congresso, no final de 2003, o governo apresentou uma lista de 23 obras que poderiam se tornar viáveis com as parcerias, incluindo estradas, ferrovias, portos e projetos de irrigação. O Ministério do Planejamento estima que são necessários R$ 13 bilhões para realizar esses investimentos, dos quais R$ 5 bilhões poderiam ser obtidos com ajuda da iniciativa privada. Existe uma dose de fantasia nessa lista. O Ministério dos Transportes tem trabalhado para contratar várias dessas obras pelos procedimentos que já estão nas leis em vigor, sem esperar pela PPP. Se depender só dele, projetos como a pavimentação da rodovia BR-163 entre Cuiabá (MT) e Santarém (PA) e a extensão da Ferrovia Norte-Sul até o porto de Itaqui (MA), poderão ser contratados como concessões simples. São obras que interessam muito a alguns setores, como os produtores de soja que plantam no cerrado e procuram rotas mais adequadas para exportar sua mercadoria, e por essa razão elas podem se tornar viáveis apenas com a cobrança de pedágio e tarifas dos usuários. A principal vantagem de contratá-las como PPPs seria usar o novo instrumento para reduzir o valor do pedágio e das tarifas, injetando subsídios do governo no projeto. Em alguns casos, como o da duplicação da BR-101 no Nordeste, talvez seja melhor contratar a obra como uma licitação comum. Por causa da fragilidade da economia regional, seria difícil cobrar pedágio e a contratação da obra como uma PPP poderia exigir subsídios mais elevados que o custo da estrada no modelo tradicional, na avaliação de empresários que acompanham o debate em torno das parcerias. Para o presidente da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, tudo vai depender dos estudos que forem feitos sobre os custos e a viabilidade dos projetos, uma etapa que ainda está longe de ser concluída. "É muito difícil calcular os custos de projetos desse tamanho e ninguém fez isso direito ainda", diz Godoy. Não é a única dificuldade. Várias exigências previstas na lei das PPPs tornarão trabalhoso o processo de viabilização das parcerias. Antes da contratação, será preciso fazer vários estudos técnicos. Se for somado o tempo necessário para obter financiamento, um projeto de PPP pode levar até um ano para sair do papel. Num seminário recente sobre o assunto, um funcionário da Consultoria Jurídica do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luiz Ferreira Xavier Borges, previu que o primeiro projeto de PPP financiado pelo banco só estará pronto para ser contratado no início de 2006, um ano eleitoral em que novas complicações podem surgir, como ele lembrou. Existem também restrições orçamentárias. Se a lei das PPPs for aprovada como está hoje, haverá um limite para os gastos do setor público com os contratos de PPP, equivalente a 1% da receita anual nas três esferas de governo. Considerando a arrecadação da União e dos Estados em 2003, é possível estimar que esse limite permitiria gastos anuais de quase R$ 4 bilhões com as parcerias. Esse cálculo não considera os orçamentos das empresas estatais, que poderão ser usados para financiar projetos de PPP nos Estados e nos municípios, mas não na esfera federal. O cofre das estatais pode ampliar de forma considerável os recursos disponíveis para PPPs em lugares como São Paulo, mas na maioria dos Estados as empresas são muito frágeis para que isso faça diferença. Há dinheiro para as PPPs, mas para muitos especialistas não existem projetos em condições de virar PPPs e aproveitar todos esses recursos. "É preciso ir devagar", diz o secretário de Planejamento de São Paulo, Andrea Calabi. "Se todos saírem correndo para contratar parcerias, vai faltar dinheiro para investimentos públicos que não podem ser feitos pelo novo modelo." Os investimentos da União e dos Estados somaram R$ 18 bilhões em 2003. De forma geral, os Estados têm procurado agir com cautela. Em Minas Gerais, o primeiro a aprovar uma lei para disciplinar as parcerias estaduais, tudo que se fez até agora foi contratar uma consultoria para desenvolver estudos sobre a viabilidade do uso das PPPs para ampliar uma estrada estadual, a MG-050. Outros estudos, para a construção de presídios e obras de saneamento básico, serão iniciados em breve. Em São Paulo, o governo estadual acha possível obter com as parcerias R$ 6 bilhões dos R$ 30 bilhões de investimentos programados até 2007. É só um palpite, que dependerá de estudos mais detalhados que ficarão prontos em alguns meses. Há estudos para avaliar a utilidade das PPPs na construção de um trecho do Rodoanel na Grande São Paulo, da ampliação da Rodovia dos Tamoios e do Porto de São Sebastião, e de um corredor de transporte intermunicipal no interior. Também existe muita insegurança entre os investidores que têm interesse nas PPPs, na avaliação de Luiz Guilherme Piva, economista-chefe da consultoria Trevisan, que foi contratada por grandes fundos de pensão para ajudá-los a encontrar oportunidades de negócio nas parcerias. Ele calcula que os fundos tenham disposição para aplicar em projetos de PPP algo entre R$ 6 bilhões e R$ 10 bilhões, mas acredita que eles só vão abrir o talão de cheques quando tiverem uma avaliação mais exata dos riscos envolvidos. "Se os juros continuarem muito altos e o ambiente regulatório desses contratos não for seguro, podem fazer a lei que quiserem que os fundos não vão entrar nesses projetos", diz Piva.