Título: A putinização do México
Autor: Dresser , Denise
Fonte: Valor Econômico, 05/07/2012, Opinião, p. A13

Antes da recém-concluída eleição presidencial do México, o descontentamento público com a situação no país era palpável. Mexicanos de todas as condições sociais mostravam-se preocupados com a escalada da violência, o crescimento econômico anêmico e o governo sem brilho do Partido Ação Nacional (PAN). Com 60 mil pessoas assassinadas na guerra contra as drogas, os mexicanos - assim como os russos depois dos primeiros anos caóticos de transição democrática sob a liderança de Boris Yeltsin - optaram por uma regressão política, sustentada pela nostalgia por governos de mãos firmes, ainda que corruptos.

Com a democracia agora associada à anarquia, caos e insegurança, o Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México por 70 anos até 2000, ficou em posição de vantagem. O PRI prometeu restabelecer a ordem e a previsibilidade, além de reduzir a violência infligida pelos cartéis de drogas, mesmo que isso signifique chegar a um "modus vivendi", uma forma de coexistência, com eles.

Os mexicanos reagiram de forma correspondente e puniram o Partido Ação Nacional por administrar uma economia que cresceu em média apenas 1,5% por ano nos últimos 12 anos e por um nível de insegurança que o México não via desde sua revolução há cem anos. Talvez, ainda mais importante, o PRI tenha colhido os benefícios do melhor investimento que fez nos últimos anos: a campanha publicitária permanente que tornou seu candidato e agora presidente eleito, Henrique Peña Nieto, a figura política mais popular do México.

O país que o PRI está prestes a governar mudou, de forma lenta, mas firme. Sua juventude é menos conformista e mais exigente, mais pluralista. Agora, a tarefa de todos os mexicanos é fazer a "putinização" continuar como um fenômeno exclusivamente russo

Peña Nieto é produto de duas redes de emissoras de TV que o prepararam para o poder e, então, o alçaram à presidência. A estratégia política do PRI foi, essencialmente, o modelo do "garoto de ouro": rosto bonito, montes de dinheiro e o apoio das redes de TV e das elites paleolíticas do México, que ansiavam por retornar ao poder. Em outras palavras, a ascensão de Henrique Peña Nieto representa uma aliança de oligarcas, interesses monopolistas velados, forças da ordem e da população que ficou desiludida com a democracia eleitoral.

Para muitos mexicanos, a retomada do poder por um partido que governou de forma autoritária e agora volta sem precisar ter passado por uma modernização não é motivo de insônia nem de preocupação. Consideram a volta do PRI como sintoma de normalidade democrática, de "enxotar os vagabundos". Os oráculos do otimismo preveem que o PRI será forçado a aprovar as reformas estruturais que por tanto tempo vetou.

Seria realmente uma grande sorte para o México se uma nova era de presidências do PRI fosse sinal de alternância saudável no poder, em vez de um lamentável passo atrás. Qualquer análise razoável do atual PRI, no entanto, não sustenta essa forma de ver e revela que está baseada em pouco mais do que ideias ilusórias.

Como Tom Friedman, o editorialista do "The New York Times" argumentou, coexistem três grupos no México de hoje: "Os narcos, os nãos e os Naftas". Tratam-se, respectivamente, dos barões das drogas, dos beneficiários do status quo e dos mexicanos de classe média que desejam a prosperidade.

O PRI, por definição, é o partido dos "nãos". Opõe-se às reformas estruturais necessárias para defender as práticas de seus clientes de viver exclusivamente de rendas; rejeita as candidaturas de cidadãos para, em seu lugar, favorecer elites partidárias inexplicáveis; evita a modernização dos sindicatos em razão das práticas corporativistas que adotou; e se recusa a desmontar os monopólios que criou. O PRI e Peña Nieto são "centros de veto", porque constituem a principal oposição a qualquer mudança que acarrete na abertura, privatização, confronto ou remodelação do sistema que eles conceberam e agora, mais uma vez, controlam.

Nessa eleição o PRI demonstrou ter mais dinheiro, unidade, disciplina e apetite pelo sucesso do que seus adversários. Infelizmente, continua a ser uma organização corrupta, clientelista e corporativista que não acredita na participação dos cidadãos, separação de poderes, concorrência, imputabilidade ou na supervisão dos sindicatos do setor público.

O país que o PRI está prestes a governar agora, no entanto, mudou, de forma lenta, mas firme. Sua juventude é menos conformista e mais exigente, menos passiva e mais pluralista. Agora, a tarefa de todos os mexicanos que marcharam e se mobilizaram recentemente para recriminar Peña Nieto nas ruas é assegurar que a putinização continue como um fenômeno exclusivamente russo. (Tradução de Sabino Ahumada)

Denise Dresser é professora de ciências políticas no Instituto Tecnológico Autônomo de México. Copyright: Project Syndicate, 2012.