Título: Para Turner, biocombustível pode ser solução para Doha
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2006, Brasil, p. A3

Ted Turner, fundador da rede de televisão CNN e um dos proprietários da AOL Time Warner, propôs ontem a produção de biocombustível como o meio para quebrar o impasse sobre subsídios agrícolas nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) e atenuar a pobreza global.

Se o caminho é investimentos em etanol a partir de açúcar, ou diesel a partir de milho e soja, o exemplo a seguir é o Brasil, na visão do bilionário que saiu quase cantarolando "Brasil, Brasil" pelos corredores da OMC. "Ninguém pode bater o exemplo do Brasil", disse ele, em tom entusiasmado. Pelos seus cálculos, a produção nacional de biocombustível levou o país a poupar US$ 50 bilhões em importação de petróleo e criação de empregos.

Em um vibrante discurso num fórum público que a OMC promove anualmente, Turner apresentou sua "nova abordagem" para ressuscitar a Rodada Doha, que está bloqueada devido à divisão entre países ricos e pobres sobre subsídios agrícolas. Ele argumentou que os agricultores sempre produziram cereais para alimentação, mas a agricultura está mudando. Hoje, muitos produzem também para energia.

Seu plano é que os países desenvolvidos entrem de vez na onda e, num período de cinco a dez anos, transfiram os subsídios dados hoje a alimentos para a produção de biocombustível e para incentivos para os consumidores os utilizarem. Os ricos reduziriam as emissões de gases, as nações em desenvolvimento cortariam o custo de energia e criariam mais empregos. Mesmo os agricultores que não mudarem sua produção teriam mais ganhos financeiros, porque com a produção menor por alimentos o preço dos produtores aumentaria, na sua avaliação.

As oportunidades de negócios são gigantescas, aponta Turner: a produção global de etanol dobrou desde 2000, a de biodiesel foi multiplicada por quatro. E a demanda é tão grande que mesmo o Brasil, maior produtor mundial, não consegue atender nem seu próprio mercado doméstico.

Pelo cálculo do bilionário, encorajando os agricultores a produzir 20% da demanda global de energia, o valor do mercado agrícola dobraria ou triplicaria em dez anos. "No futuro, seremos capazes de produzir novos combustíveis a partir de etanol, e o biocombustível será extraído a partir de tudo que é plantado", acrescentou entusiasmado.

Ted Turner terminou seu discurso de dez páginas sob uma chuva de aplausos. Foi a vez de Anthony Burgmans, chairman de Univeler, segundo produtor mundial de alimentos e detergentes, discordar do remédio do bilionário americano.

"Biocombustível não é solução milagrosa para o mundo e há armadilhas", disse. "Soja para biodiesel pode reforçar o desflorestamento do ecossistema da Amazônia." Burgmans disse que a Unilever vai investir "muito" no Brasil, mas não deu nenhum exemplo de onde.

Em entrevista, Turner disse que ainda não fez investimentos significativos em biocombustível, mas está "esperando o bom ponto de entrada". Indagado se investirá no Brasil, respondeu que o país já não precisa de investimentos, porque está bem no setor.

Turner ficou ainda mais famoso globalmente ao anunciar doação de US$ 1 bilhão, em 1998, para uma fundação de apoio a causas e atividades da Organização das Nações Unidas (ONU). Um dos projetos é estimular a produção de biocombustível na América Central, tentando atrair investidores e financiamentos. "Mas o Brasil é o exemplo", acrescentou, enquanto contava que tinha um rancho na Patagônia. Lembrou que "a mulher de (Fernando Henrique) Cardoso" faz parte da direção de sua fundação, que conhece o ex-presidente, mas aparentemente não sabe quase nada sobre Lula.

Para quem se surpreendia com sua proposta, Ted Turner contou que basta ter uma solução como a que teve quando quis montar a rede de televisão CNN. Comprou barato estações com sinais que só podiam ser captados pelos vizinhos. O que fez? Passou a transmitir por satélite, criando daí uma rede mundial. "No ginásio em que eu lutava boxe na adolescência, havia um cartão dizendo: lute um round a mais. Vamos fazer isso com Doha", sugeriu.

Terminada a jornada entusiasmada do bilionário, que partiu de Genebra em seu jato privado, negociadores diziam não ver como o biocombustível poderia salvar a rodada. Energia não está na agenda. Se o biocombustível salvará Doha, é uma coisa. Certo mesmo é o interesse por etanol.

Outro bilionário eloqüente, o inglês Richard Branson, anunciou na semana passada que na próxima década colocará US$ 3 bilhões de sua fortuna em projetos de fonte alternativa de energia. Cerca de US$ 70 milhões já foram investidos na Cilion, uma nova companhia baseada na Califórnia que construirá usinas para produzir etanol.