Título: Livrando-se do futuro de Bush
Autor: Sachs, Jeffrey
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2006, Opinião, p. A15

A coisa sempre retorna ao petróleo. As persistentes intervenções equivocadas perpetradas pelos Estados Unidos e o Reino Unido no Oriente Médio têm suas origens profundamente arraigadas nas areias árabes. Desde os tempos em que Winston Churchill comandou a conversão da marinha inglesa do carvão para o petróleo no começo do século passado, as potências ocidentais têm se intrometido incessantemente nos assuntos dos países do Oriente Médio para manter o petróleo jorrando, derrubando governos e tomando partido em guerras no suposto "grande jogo" dos recursos energéticos. Mas o jogo já está praticamente encerrado, pois as abordagens antigas obviamente estão desmoronando.

Exatamente no momento em que estávamos sendo levados a pensar que havia algo distinto do petróleo no cerne da ação recente dos Estados Unidos e do Reino Unido no Iraque, a realidade nos faz recuar. Realmente, o presidente Bush recentemente convidou jornalistas a imaginarem como será o mundo em mais 50 anos. Ele não se referia ao futuro da ciência e tecnologia, ou a uma população global de 9 bilhões: ele queria saber se os radicais islâmicos controlarão o petróleo do mundo.

Seja qual for o assunto que nos preocupará em 50 anos, este certamente estará perto do fim da lista. Mesmo se estivesse próximo do topo, depor Saddam Hussein para assegurar abastecimento de petróleo nos próximos 50 anos está entre as estratégias menos plausíveis. Sabemos a partir de uma variedade de evidências, porém, que isto é o que habitava a mente de Bush quando seu governo desviou o foco da busca por Osama bin Laden para travar uma guerra com o Iraque.

A deposição de Saddam foi o arquétipo predileto de longa data do neoconservador "Projeto para um Novo Século Americano", que já afirmava na década de 1990 que Saddam provavelmente conseguiria deter uma influência sobre "uma proporção substancial dos suprimentos de petróleo do mundo". O vice-presidente Dick Cheney reiterou esses temores nos preparativos para a Guerra do Iraque, alegando que Saddam Hussein estaria construindo um maciço arsenal de armas de destruição em massa para "assumir o controle de uma grande parte dos suprimentos de energia do mundo".

Os fatos de Cheney estavam obviamente errados, assim como a sua lógica. Ditadores como Saddam vivem da venda do seu petróleo, não da sua manutenção no solo. Talvez, porém, Saddam estivesse ansioso demais em vender concessões de petróleo às companhias francesas, russas e italianas, em lugar das companhias dos EUA e do Reino Unido.

De qualquer forma, a guerra no Iraque não protegerá os suprimentos de energia do mundo em 50 anos. Muito pelo contrário, a guerra ameaçará esses suprimentos, atiçando o mesmo radicalismo que alega combater. A verdadeira segurança energética não virá da invasão e ocupação do Oriente Médio, ou da tentativa de impor governos dóceis na região, mas do reconhecimento de certas verdades mais profundas sobre energia global.

-------------------------------------------------------------------------------- A real segurança energética não virá da ocupação ou tentativa de impor governos dóceis no Oriente Médio, virá a partir de verdades sobre energia global --------------------------------------------------------------------------------

Em primeiro lugar, a estratégia deve satisfazer três objetivos: baixo custo, diversidade de fornecimento e emissões de dióxido de carbono drasticamente reduzidas. Isto exigirá investimentos maciços em novas tecnologias e recursos, não uma "luta até o fim" em torno do petróleo do Oriente Médio. Importantes tecnologias de energia incluirão a conversão do carvão em líquidos (como a gasolina), o uso de areias betuminosas e de óleo de xisto betuminoso, e a expansão das fontes de energia de combustível não fóssil.

Realmente, existe um excelente potencial para energia solar de baixo custo, tecnologias baseadas em carvão com emissão zero e energia nuclear confiável e segura. A radiação solar equivale a praticamente 10 mil vezes o nosso uso atual de energia. Nós exploramos essa energia solar de muitas maneiras fundamentais - produção de alimentos, energia eólica, energia hidrelétrica, aquecimento, eletricidade termo-solar, painéis solares - mas as possibilidades de aumentar substancialmente o uso de energia solar ambientalmente amigável, amplamente disponível e barata são enormes.

O carvão, assim como a energia solar, é amplamente disponível. Ele já é barato, mas é um elemento sólido e não líquido, um grande poluidor e uma fonte de emissões de gás estufa. Todos esses problemas podem ser resolvidos, porém, especialmente se fizermos os investimentos necessários em pesquisa e desenvolvimento. A gaseificação do carvão permite a remoção de perigosos agentes poluidores e o carvão já pode ser convertido em gasolina a baixo custo; uma empresa sul-africana está começando a levar esta tecnologia para a China em larga escala.

A energia nuclear, tanto baseada na fissão como na fusão, é mais uma possibilidade para se obter energia primária abundante, confiável, garantida e ambientalmente segura. Neste caso, também, existem obstáculos tecnológicos, mas eles parecem superáveis. Claro, existem outras importantes considerações políticas, regulatórias e de segurança, que precisam ser adequadamente abordadas.

É irônico que uma administração centrada nos riscos do petróleo do Oriente Médio tenha optado por gastar centenas de bilhões - potencialmente, trilhões - de dólares para perseguir abordagens militares fracassadas para problemas que podem e devem ser solucionados a um custo enormemente inferior, através de pesquisa e desenvolvimento, regulamentação e incentivos de mercado. A maior de todas as crises, ao que parece, envolve a energia mal direcionada de uma política externa dos EUA calcada na guerra, em vez de estar baseada na descoberta científica e no progresso tecnológico.

Jeffrey Sachs , é professor de Economia e diretor do Instituto da Terra na Universidade Columbia. © Project Syndicate 2006. www.project-syndicate.org