Título: Baixa renovação do Congresso favorece o controle social, diz cientista político
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Fonte: Valor Econômico, 26/09/2006, Política, p. A7

Mais do que conseguir um mandato no Congresso, políticos querem se manter no poder. E, para o cientista político Carlos Pereira, não há nada de errado com isso: "O mecanismo da reeleição é bem-vindo para a democracia", afirma, convicto. Professor-assistente do departamento de ciência política da Universidade do Estado de Michigan, nos Estados Unidos, ele condena a idéia de que é melhor votar em candidatos sem passado político e defende a "profissionalização" dos parlamentares, o que, em sua opinião , permitiria a elaboração de leis mais maduras e um maior controle por parte da sociedade.

De acordo com Pereira, os parlamentares hoje são muito dependentes do Poder Executivo para obter recursos às suas bases eleitorais, o que faz com que não tenham incentivo em investir na atividade parlamentar propriamente dita, que é pouco recompensadoras do ponto de vista eleitoral. "Se ele se dedicar apenas às atividades de Brasília, suas probabilidades de reeleição diminuem. Então, o parlamentar se volta para extrair do Executivo recursos que serão utilizados em seus espaços locais, para garantir sua sobrevivência eleitoral. Por que o Executivo consegue montar uma maioria e aprovar praticamente tudo o que quer? É porque o parlamentar não tem outra forma de sobrevivência a não ser apoiar o Executivo", explica o cientista político.

Pereira admite que esse tipo de relacionamento entre os dois Poderes é malvisto pela sociedade em geral, mas adverte que, se esse mecanismo for alterado, sem que o Executivo disponha de outros meios para formar maiorias de apoio no Congresso, o Brasil poderá reviver um cenários semelhante ao observado entre 1946/64, quando o Executivo era frágil em relação ao Legislativo, o que levou a duas décadas de conflitos e convulsões no país.

"Com a Constituinte de 1988, o Executivo enfeixou uma série de poderes e prerrogativas, colocando-se em uma posição privilegiada. Mas há uma conseqüência muito positiva nisso tudo: conferiu estabilidade à democracia. Hoje, ninguém mais questiona a democracia no Brasil, mesmo com todos os escândalos de corrupção", afirma.

Radicado nos Estados Unidos há 12 anos, mas observador atento da política brasileira, o cientista político acredita que, em um segundo mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT terão de ceder mais espaço aos partidos aliados para formar a base de sustentação do governo no Congresso. "Em seu primeiro mandato, o presidente Lula teve uma coalizão extremamente ampla, ideologicamente falando, mas concentrou o poder nas mãos do PT. Isso gerou uma crescente insatisfação na coalizão e o governo teve de usar mecanismos reprováveis para manter sua aliança. Isso gerou uma expectativa muito negativa no eleitorado e, possivelmente, o PT e os partidos que estão no governo farão uma bancada menor, forçando o PT a compartilhar mais o poder", raciocina.

Essas composições acontecem, segundo Pereira, porque os governos no Brasil não se tornam majoritários quando saem das urnas - "os eleitores não têm essa preocupação" -, mas apenas quando se formam de fato. "A governabilidade é fruto de uma escolha racional dos candidatos eleitos, que constroem maiorias a partir do grande poder do Executivo".

O cientista político reconhece que a atual legislatura gerou um sentimento muito negativo na sociedade, em vista dos repetidos escândalos, e que a renovação no Congresso Nacional deverá ser uma das maiores de toda a história. No entanto, ele defende o instituto da reeleição com base em estudos internacionais que mostram que as políticas públicas implementadas por parlamentos inexperientes é de pior qualidade.

"Embora eu entenda que o eleitor está extremamente frustrado com os parlamentares em geral, a longo prazo é fundamental defender a idéia de político profissional. O que garante a ética não é uma atitude individual de cada parlamentar, mas a questão institucional. O problema é se as regras facilitam ou dificultam um comportamento desvirtuado", afirma.

Na opinião de Carlos Pereira, quanto mais "profissional" for o político, mais passível de controle ele será, pois seu futuro político será uma conseqüência direta de sua atuação. Por outro lado, quanto menos profissional, maior será as chances de ter um comportamento oportunista em relação ao eleitor e ao Executivo.

"Quando se tem um ambiente institucional que não valoriza a profissionalização, perde-se a capacidade de premiar e punir de acordo com o desempenho", afirma o cientista político. "A taxa de reeleição no Congresso americano é de 90%, enquanto no Brasil é de 67%. Essa renovação, nos Estados Unidos, é interpretada como um problema e não como vantagem", compara.