Título: Para Cypriano, só o crescimento tiraria pressão por reformas
Autor: Carvalho, Maria Christina
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2006, Política, p. A8

Para o presidente do Bradesco, Márcio Cypriano, o futuro governo deveria lançar metas quantitativas de crescimento. "Uma meta realista, não sei se 5% ou 10%. O mundo cresceu muito mais que o Brasil nos últimos anos. Acho que ainda dá para tirar essa defasagem", afirmou.

O banqueiro disse que a melhor forma de conciliar as reformas econômicas necessárias - tributária e previdênciária - com a demanda social é o crescimento econômico. "Com mais desenvolvimento, criação de novos empregos, mais renda e investimento produtivo, as demandas sociais serão contempladas, gradativamente".

O momento de forte apoio popular e esperanças redobradas que caracterizam o período logo após as eleições deveria ser aproveitado pelo novo governante para apresentar essas propostas, sugere Cypriano.

Para ele, o investimento público deve ser mantido em algumas áreas como infra-estrutura, educação e segurança. "Não dá para um país com nossas carências sociais abdicar dessa participação", explicou.

A seguir, os principais pontos da entrevista:

Valor: Quais são as principais tarefas do futuro presidente?

Márcio Cypriano: A cada novo mandato, temos um salto de qualidade nos objetivos e desafios. Na redemocratização do país, o objetivo era vencer a inflação. Nestas eleições, podemos dizer que deixamos isso para trás. Temos agora um novo e ainda mais difícil obstáculo pela frente, que é redirecionar o enfoque para o crescimento econômico, com mecanismos de distribuição de renda. O anseio de todos os segmentos da sociedade é trabalhar e viver num país crescendo a taxas fortes, por vários trimestres e anos. É um consenso. Encontrar as formas de se conseguir isso deve ser a tarefa principal do novo governo. Leio várias análises e ouço muitas opiniões. Percebo que a visão geral é a de que será preciso fazer mais uma jornada de reformas. Na área tributária, para tornar a arrecadação mais eficiente e justa. Na área previdenciária, para dar consistência às finanças públicas. Além disso, é evidente que se deve buscar uma articulação entre as diversas políticas, monetária, cambial e fiscal no sentido do crescimento, sem negligenciar da estabilização.

Valor: Isso é possível?

Cypriano: Entendo que, imediatamente depois das eleições, os governantes contam com forte apoio popular e o País vive meses de esperança redobrada em relação ao seu futuro. A confiança é maior e a esperança é por dias melhores. São momentos apropriados para a construção de uma ponte com o Congresso Nacional em cima de propostas concretas e objetivos sinceros. É a hora de se lançar propostas fortes e necessárias para discussão com o Congresso. Mas, que me lembre, os governos desperdiçam essas janelas de oportunidade e preferem aguardar composições políticas e gastam um bom tempo com reuniões internas de definição sobre o que vai ser feito. É preciso assumir com as coisas já definidas. Acho que o novo governo, independente de qual for, deve inovar e iniciar seu governo já no primeiro dia de mandato. Ser prático desde a posse.

Não sou economista, nem analista político, mas acho que o governo deve gerir o país como administramos nossas instituições. Criar desafios e metas, oferecer recompensas, criar unidade de ação em torno de bandeiras claras e simples. Por exemplo, lançar metas quantitativas de crescimento, não sei se 5% ou 10%, mas uma meta realista. Apontar as dificuldades de se alcançar essas metas e os riscos envolvidos. Por exemplo, sabemos que a economia internacional deverá se desacelerar, dificultando nossos objetivos. É preciso reduzir o juro, mas a estabilidade é algo que não podemos abrir mão. Também é necessário reduzir a carga fiscal, mas o setor público precisa perseguir o equilíbrio das contas. Se o país cresce, por outro lado, aumenta a arrecadação. O governo terá de dizer o que fará e quais as opções que temos para que o objetivo seja alcançado. A transparência é fundamental. De nossa parte, devemos ter claro que não há saída senão trabalhar mais e com maior eficiência, aumentar a lucratividade das empresas e viabilizar novos investimentos. Esse país tem mais de 180 milhões de habitantes e é preciso cuidar para que essa população tenha uma vida melhor.

-------------------------------------------------------------------------------- O desafio agora é redirecionar o enfoque para o crescimento econômico, com mecanismos de distribuição de renda --------------------------------------------------------------------------------

Valor: Como conciliar as reformas necessárias com as demandas sociais?

Cypriano: A melhor forma de conciliar essa aparente contradição é o crescimento econômico. Não existe reforma possível sem crescimento econômico. Com mais desenvolvimento, criação de novos empregos, mais renda e investimento produtivo, as demandas sociais serão contempladas, gradativamente. Na questão da Previdência, por exemplo, o aumento do emprego e da renda implica em mais adesões aos planos de previdência privada, o que significa menor pressão futura sobre a Previdência oficial. Os gastos com programas como o Bolsa Família tendem a melhorar sua eficiência com um maior equilíbrio das contas em decorrência da arrecadação adicional associada ao crescimento econômico.

Valor: Quais são as premissas para que o ritmo de crescimento econômico acelere?

Cypriano: A premissa é termos instituições fortes, que façam prevalecer os instrumentos democráticos. Uma Justiça eficiente, um Congresso que tenha a confiança do povo e um governo comprometido com a visão de um país próspero financeiramente, atuante no mercado global, desenvolvido tecnologicamente, com nível educacional avançado e padrão de vida do G7. Sem essa pretensão, não saímos do lugar. É obrigação acreditar que é possível alcançar essa condição e que é possível sairmos da lanterna no ranking de crescimento. O mundo cresceu muito mais que o Brasil nos últimos anos, acho que ainda dá para tirar essa defasagem.

Valor: Qual o perfil ideal do próximo ministro da Fazenda?

Cypriano: Já há algum tempo, não vejo problemas em relação aos ocupantes dessa pasta. O perfil de todos eles é muito positivo. Pessoas dedicadas e objetivas, que têm claro o que o país precisa e o que deve ser feito, agindo com responsabilidade e de forma tempestiva. O próximo ministro deve ter esse perfil. Nenhum dos ministros que passaram por lá era contra o crescimento ou negligente em relação à inflação. Cada um adotou a política possível para a estrutura e a conjuntura do momento. E o momento histórico em que vivemos é buscar o crescimento. A inflação está abaixo da meta, a vulnerabilidade externa é bem inferior, caminhamos em direção ao grau de investimento, nossas empresas são lucrativas. Acho que é possível.

Valor: Como deve ser o Banco Central no próximo governo: mais ou menos independente?

Cypriano: Independentemente da questão legal, o Banco Central, na minha opinião, atua de forma autônoma desde que foram instituídos o regime de metas de inflação e o sistema do Copom. A autonomia se dá na prática. É uma coisa de fato, embora não de direito. Nenhum dos favoritos nestas eleições falou sobre essa questão ou questionou o modelo atual. É sinal que o assunto não é tão prioritário assim. Não tenho preocupação com essa questão, no momento. A discussão voltará quando a sociedade julgar conveniente.

Valor: Em quais áreas o investimento público é prioritário?

Cypriano: Tenho uma visão objetiva dessa questão. O investimento público deve ser encarado como algo necessário, pois não dá para um país com nossas carências sociais abdicar dessa participação. A infra-estrutura brasileira, dizem, e eu concordo, não está adequada para suportar um período continuado de crescimento econômico. A educação pública e a segurança precisam de atenção. É preciso encontrar formas criativas e eficientes de priorizar os investimentos para melhorar esses itens. Mais educação e mais segurança aumentam a produtividade das empresas e reduzem desperdícios e melhoram o nível salarial das pessoas. O nível de emprego aumenta, principalmente no aspecto de sua qualificação. Melhorar a infra-estrutura reduz os custos operacionais do país e permite impulsionar a intenção de novos investimentos por parte das empresas, além de atrair o capital estrangeiro. Um aspecto que tem sido pouco explorado, mas que acho cada vez mais importante é a questão ambiental. O investidor estrangeiro valoriza demais a atuação em ambientes limpos e sustentáveis, países com boas políticas de preservação da natureza. Nós percebemos isso no banco. Cada vez mais, somos demandados a mostrar os trabalhos desenvolvidos por nossa área socioambiental aos investidores que nos visitam.