Título: Oferta de ações na China atrai um número crescente de investidores
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Fonte: Valor Econômico, 26/09/2006, Finanças, p. C2

Difícil dizer o que é mais extraordinário: a oferta de processos de vendas públicas de ações vinda da China ou a demanda por eles. O Banco Mercantil da China (BMC), uma instituição de segunda linha avaliada em US$ 17 bilhões (grande, mas não muito em termos de China), começou a negociar suas ações na Bolsa de Valores de Hong Kong na última sexta-feira, depois de emitir US$ 2,4 bilhões delas. A parte reservada para os investidores institucionais teve uma procura pelo menos 35 vezes maior que a oferta. A fatia destinada ao varejo registrou uma procura 266 vezes maior que a oferta. Quase ninguém está conseguindo o número de ações desejado; muitos não estão conseguindo nada.

E o Mercantil da China não é lá o melhor negócio. A Beijing Jingkelong, pequena rede de lojas que está crescendo rapidamente, vendeu US$ 76 milhões em ações numa operação em que a demanda superou a oferta em 540 vezes. O período de estabelecimento de preço para a China BlueChemical, uma ex-subsidiária de fertilizantes da China National Offshore Oil Corporation que está indo a mercado, foi encurtado por causa do interesse extraordinário que despertou - a procura está sendo 100 vezes maior que a oferta e está aumentando. A Shui On Land, grande incorporadora imobiliária particularmente ativa em Xangai, começou a promover uma listagem em bolsa de valores, que já foi totalmente subscrita.

Qualquer número envolvido em outras vendas aponta para cima, incluindo os da Lee Kee Holdings, uma negociadora de zinco, LK Machinery, uma empresa metalúrgica, e a China National Coal. Todas essas operações são pequenas em comparação à oferta que se aproxima do Banco Industrial e Comercial da China (BICC), o maior banco do país. Esta provavelmente cravará um novo recorde, com a venda de cerca de US$ 20 bilhões em ações. O valor total do banco vai superar os US$ 100 bilhões.

Entre outros aspectos notáveis desta oferta é que, se ela tivesse sido feita apenas uns poucos meses atrás, as ações poderiam ter sido oferecidas exclusivamente em Hong Kong. Foi este o caso quando o Banco da China, o segundo maior do país, ofereceu US$ 11 bilhões em ações em junho, e quando o quarto maior banco chinês, o Banco para a Construção da China (BCC), emitiu US$ 9 bilhões no quarto trimestre de 2005. Desde então, mudanças na regulamentação governamental e uma bem-sucedida oferta secundária realizada pelo Banco da China em Xangai encorajaram mais listagens na China continental.

Não muito tempo atrás a oferta do BICC teria sido cerca de 40% menor, segundo afirmam banqueiros. Tal é o apetite dos mercados da China continental e de Hong Kong que as discussões agora envolvem o quanto uma listagem pode ser maior, e não o quanto ela pode ser menor. E o que se pode ver é apenas a ponta do iceberg. Os negócios na China sempre têm um longo período de gestação. Um banco de investimento diz que já está considerando ofertas que poderão ocorrer em 2008.

No momento provavelmente não haja mercados mais excitantes no mundo do que os de Hong Kong, Xangai e Shenzhen. Num ano morno para a as bolsas de valores de todas as partes do mundo, os preços das ações em Hong Kong acumulam valorização de 17%. Na China continental, a valorização até agora é ainda maior. E a lucratividade está crescendo ainda mais que os preços das ações. Após uma fase de baixa severa do mercado, os preços agora estão perto dos picos registrados em 2000.

Tendo afastado uma sensação de pessimismo, os investidores de varejo de Hong Kong agora parecem ter esquecido que as coisas sempre podem dar errado. Eles acreditam que o governo chinês deverá estabelecer preços aos negócios de modo que as ações vão subir depois do lançamento, do mesmo jeito que um fracasso iria prejudicar as futuras privatizações. Isso pode ser otimismo demais; se as companhias fossem vendidas muito barato, o governo seria acusado de fazer uma liquidação. Mesmo assim, o consenso é de que as ações de uma companhia de capital recém-aberto vão subir de 10% a 15% em seguida.

Os bancos locais parecem compartilhar dessa confiança, já que estão ampliando os empréstimos e margem para até 90% do preço inicial das ações. As alocações podem ser muito pequenas, mas o retorno do investimento pode ser enorme. Grandes blocos são reservados para magnatas de Hong Kong, que em troca concordam em não vender logo essas ações. Ocasionalmente há queixas de favoritismo. Mas pelo menos está claro para onde o dinheiro dos grandes investidores está indo.

O ritmo extraordinário dos negócios deverá continuar por um pouco mais, mas a natureza das ofertas em breve vai mudar, no mínimo porque as maiores companhias, como os bancos estatais, terão sido vendidas. Alguns prevêem que o valor das ofertas públicas poderá cair um terço no ano que vem. Isso, é claro, ainda deixaria muito espaço para negócios, e é por isso que os bancos de investimento continuam contratando num ritmo frenético. Nunca houve um tempo melhor para aqueles que conseguem ler em mandarim e destrinchar uma demonstração financeira.

Mas, com a conclusão da oferta do BICC, provavelmente em novembro, um tipo diferente de ativo estatal será leiloado. Companhias de todos os setores estão em oferta - metalurgia e mineração, carvão, ferrovias, siderúrgicas e portos, além de bancos menores (que não são tão pequenos assim por qualquer padrão comum).

Com o tipo das companhias mudando, as próprias ofertas deverão ser acompanhadas mais de perto. Na listagem de uma empresa estatal, a captação de dinheiro pode ser menos importante que o aumento da transparência, das exigências por uma governança corporativa melhor, e uma ênfase na eficiência. Com os negócios menores e privados, haverá mais pressões pela justificativa de como o dinheiro que as empresas vão arrecadar será empregado, do que está havendo no caso das privatizações. Para algumas empresas, a negociação das ações em bolsa de valores proporcionará uma moeda para a consolidação de alguns dos setores muito fragmentados da economia chinesa.

Apesar de toda a animação, as ofertas são, de certo modo, incompletas. A maioria das empresas, publicas e privadas, vende apenas de 10% a 25% de suas ações, de modo que aqueles que compram os papéis serão acionistas minoritários com pouquíssimo poder de decisão.

As listagem inevitavelmente lançarão alguma luz sobre as operações: investidores mais rabugentos poderão fazer algum barulho. Mas um mercado realmente capitalista, conduzido por investidores que visam o lucro - que assumem o controle das empresas mais fracas e demitem administradores -, ainda está bem longe.