Título: Argentina obriga bancos a dar crédito
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2012, Internacional, p. A11

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, determinou ontem que os bancos com mais de 1% dos depósitos no país devem oferecer uma linha de crédito a empresas para investimentos. A linha terá suas condições estabelecidas pelo governo: três anos de prazo e juros variáveis conforme a taxa Badlar - referência no país para transações interbancárias - mais 4%. Em valores de ontem, isto correspondia a cerca de 15%.

A medida havia sido anunciada pela presidente ao inaugurar uma fábrica de macarrão, na quarta-feira, mas foi oficializada ontem à noite em um comunicado do Banco Central, que também proibiu oficialmente a compra de dólar como aplicação financeira.

A nova linha de crédito afeta 19 dos 64 bancos do país, entre eles o Itaú Argentina (17º em depósitos na Argentina) e o banco Patagonia, controlado pelo Banco do Brasil (11º colocado). Outros 14 bancos não estão entre os maiores argentinos, mas terão que oferecer a linha por serem controlados pelos governos das Províncias (Estados).

Os bancos atingidos deverão dispor de 5% de seus depósitos em pesos do setor privado não financeiro, o que corresponde a cerca de 15 bilhões de pesos argentinos, ou US$ 3,3 bilhões (0,7% do PIB nacional). De acordo com o comunicado do Banco Central, a linha será destinada para a aquisição de bens de capital e construção de instalações para a produção de bens e serviços. Metade da linha terá que ser concedida para pequenas e médias empresas. A medida determina que todos os desembolsos devem ocorrer até 30 de junho de 2013.

Desde março, o Banco Central argentino deixou de ter a estabilidade monetária como seu objetivo principal. Uma mudança na lei orgânica da instituição incluiu como meta "o desenvolvimento econômico com equidade social", o que inclui regular as condições oferecidas para empréstimos na Argentina.

A taxa fixada pelo governo está abaixo da inflação extraoficial da Argentina, que oscila entre 20% e 30%. O índice público, de 10%, é considerado irreal por todos os agentes econômicos do país. Mas os bancos argentinos conseguem captar recursos também pagando juros muito abaixo da variação de preços.

A taxa Badlar não é fixada pelo BC, mas arbitrada pelo mercado. No último ano, teve grande volatilidade. Saltou do patamar de 10% a 12% para cerca de 19% no final de 2011, retornando para 11% no mês passado. De acordo com um relatório da Associação de Bancos Públicos e Privados da Argentina, as aplicações a prazo fixo estão sendo remuneradas a uma taxa média de 0,7% inferior à Badlar.

Já os empréstimos oscilam entre 14,6% ao ano, no caso de crédito imobiliário, a 34,9%, na hipótese do rotativo de cartão de crédito. Empréstimos para a compra de automóveis saem por 22,6%. O dinheiro para capital de giro é remunerado em cerca de 21%.

Os empréstimos subiram 43,5% nos últimos 12 meses, orientados para o consumo de pessoas físicas. As linhas para o setor produtivo costumam ser proibitivas, não apenas pelos juros cobrados, mas por serem muito curtas, raramente excedendo a um ano. Os depósitos no setor privado cresceram 31%. Foi um efeito da inflação e da falta de opções para o poupador argentino, depois dos controles cambiais introduzidos em outubro.

Ontem, em outra circular, o Banco Central eliminou a hipótese da aquisição de dólares para fins de investimento. A moeda americana só poderá ser adquirida por turismo, compra de imóveis e automóveis e operações de comércio exterior. Mas a mudança terá pouco impacto no cotidiano argentino, já que desde o início do ano, através de controles da Receita, a compra de dólar como investimento estava impedida na prática.

As ações dos bancos negociadas na bolsa caíram ontem na Argentina, em uma reação avaliada como "exagerada" por analistas. "O montante que será destinado para essa linha é relativamente pequeno e deve afetar apenas marginalmente os balanços dos bancos. A queda nas ações se deve mais à incerteza criada. Essa é uma intervenção no sistema financeiro, à qual podem se seguir outras", opinou Rubén Pasquale, da corretora Mayoral.