Título: TST permite ação trabalhista de estrangeiro
Autor: Frisch, Felipe
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2006, Legislação & Tributos, p. E1

Os trabalhadores estrangeiros das regiões de fronteira do Brasil conquistaram um importante precedente no Tribunal Superior do Trabalho (TST). A sexta turma da corte acatou um recurso de um eletricista paraguaio, ex-funcionário da Comercial Eletromotores Radar, empresa de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, onde trabalhou por 17 anos, de 1982 a 1999, quando foi dispensado. Os ministros reconheceram o direito do trabalhador de acionar a Justiça do Trabalho brasileira com base na Constituição Federal e no Protocolo de Cooperação Jurisdicional do Mercosul, que, apesar de não estar totalmente implementado, como reconhece o advogado do ex-empregado, prevê tratamento igualitário nos países do pacto: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

Agora, a ação volta à Vara do Trabalho de Ponta Porã para o cálculo das verbas trabalhistas. A vara havia considerado nulo o contrato de trabalho, sem analisar, portanto, as reivindicações do eletricista: verbas trabalhistas referentes ao aviso prévio, férias vencidas e adicionais, décimo-terceiro salário dos últimos cinco anos e FGTS acrescido da multa de 40%. Da mesma forma, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 24ª Região entendeu que ele estava em situação irregular, sem o documento especial de estrangeiro, previsto no artigo 21 da Lei nº 6.815, de 1980, o Estatuto do Estrangeiro.

Trata-se do documento chamado popularmente na região de "Modelo 4" - equivalente à "cédula de identidade do fronteiriço" -, diz o advogado que defendeu o paraguaio, Marco Aurélio Claro. Ele avalia que os processos semelhantes de estrangeiros são freqüentes na cidade, vizinha de Pedro Juan Caballero, no Paraguai, mais freqüentes no setor da construção civil, carente de fiscalização. E diz que vários já chegaram ao TST. Esta, no entanto, é a primeira decisão final favorável ao trabalhador. Nem mesmo a argumentação de que o empregador que não exige a documentação estaria enriquecendo ilicitamente havia sensibilizado a Justiça. O argumento vitorioso, avalia o advogado, foi o tratado, que tem no artigo 3º a exigência de igualdade de condições entre cidadãos dos países e acesso às jurisdições destes.

A decisão do TST foi bem recebida pelos advogados trabalhistas. "O fato de ser um trabalhador irregular no Brasil não quer dizer que ele não tenha direitos. Do contrário, estaria se admitindo uma enorme quantidade de estrangeiros em quase escravidão aqui", avalia Paulo Sergio João, do Mattos Filho Advogados. Para Luiz Guilherme Migliora, do Veirano Advogados, o que surpreende é a decisão contrária ao trabalhador no TRT, estritamente com base na lei e contra a tendência de "constitucionalização" dos processos hoje na Justiça, o que faria mais sentido se se tratasse de um estrangeiro que não pudesse ir e voltar diariamente, vivendo clandestinamente na cidade e se beneficiando dessa condição, sem recolher imposto de renda ou INSS, por exemplo.

O ministro Horácio Senna Pires, relator do recurso, entendeu que o trabalhador estrangeiro seria prejudicado pelo não-cumprimento de obrigações legais do empregador. Além disso, manter a posição da Justiça trabalhista local prejudicaria os próprios trabalhadores brasileiros, que viriam a ser preteridos pela mão-de-obra de estrangeiros irregulares, mais barata.