Título: Por 56 votos a 19, Demóstenes é o segundo a ser cassado pelo Senado
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 16/07/2012, Política, p. A9

O envolvimento com o empresário Carlos Cachoeira, acusado de comandar um esquema de exploração ilegal de jogos de azar, custou o mandato de Demóstenes Torres. Ele se tornou o segundo senador a ser cassado pelo Senado. A sucessão de denúncias e a pressão da opinião pública tornaram a perda do mandato um resultado previsível. A decisão do plenário _ por 56 votos a favor da cassação, 19 contra e cinco abstenções_ também foi facilitada pela má vontade existente na Casa em relação a Demóstenes e pela pressão da opinião pública.

O agora ex-senador foi vítima do personagem que desempenhou nos nove anos de mandato. Como uma espécie de paladino da moralidade, era implacável com colegas. Chegou a ter uma forte discussão com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), em plenário, durante sessão em que os governistas queriam votar a prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU). Na ocasião, Demóstenes acusou Sarney de estar "rasgando o regimento". Pediu desculpas depois.

"É uma coisa constrangedora, abjeta, ter que julgar um companheiro. Não faz bem à alma", disse o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL) - ele próprio vítima de Demóstenes no passado. Em 2007, Renan renunciou à Presidência do Senado depois que o goiano acusou-o de arapongagem contra ele e o governador Marconi Perillo (PSDB-GO).

Para o líder do PSDB, Álvaro Dias (PR), ex-aliado de Demóstenes na oposição, a quebra do decoro parlamentar tornou-se evidente e "o impacto é maior porque a prática do discurso não era a prática que se fazia". Na sua opinião, Demóstenes foi "uma grande decepção, tanto que tivemos uma melancólica sensação do dever cumprido ao cassar um colega do Senado Federal".

No discurso de ontem, de nada adiantou o pedido de perdão do goiano aos que "levianamente" ofendeu. Nem o pedido para que tivesse chance de se defender na justiça e ser julgado pelo povo de Goiás. "Não posso ser julgado para dar exemplo", afirmou. Negou ter mentido, negou ter favorecido Cachoeira e afirmou não haver provas contra ele. "Sou um bode expiatório."

Já estava consolidada na Casa a convicção de que a cassação era inevitável. Nessa fala, que foi sua última defesa, feita de improviso e durante 36 minutos, Demóstenes "errou na forma", segundo colegas, ao citar o envolvimento do relator do seu pedido de cassação, senador Humberto Costa (PT-PE), em processo resultante de operação da Polícia Federal - chamada de "Vampiro"-, em 2004, que apurou desvio de recursos na venda de medicamentos.

Costa era ministro da Saúde e foi alvo de escutas telefônicas. Ele foi inocentado pela Justiça Federal em 2010. Demóstenes citou o caso como "semelhante" ao seu e pediu a mesma chance de se defender na justiça. Embora tenha ressaltado que Costa provou ser inocente e honesto, só o fato de ele trazer o episódio à tona foi mal recebido no plenário. "Entendo como um recurso da defesa me atacar e estabelecer um comparativo", disse Costa, em réplica, afirmando não ter sido pego conversando com "meliantes".

"Foi feita a justiça política. O Senado avaliou os fatos. Não cabe ao senador julgar com piedade nem com vingança. Cabe ao Senado julgar com tranquilidade dando a ele o direito de defesa - o que foi feito", disse Pedro Taques (PDT-MT).

Com a aprovação da resolução cassando seu mandato, Demóstenes fica inelegível por um prazo de oito a anos a partir do fim do mandato para o qual foi eleito (2019). O prazo termina em 2027, quando terá 67 anos de idade. Agora, o primeiro suplente, Wilder Pedro de Morais (DEM-GO) - ex-marido de Andressa Mendonça (atual mulher de Carlinhos Cachoeira) e atual secretário de Infraestrutura do Estado de Goiás - tem 60 dias para assumir o mandato, prorrogáveis por mais 30.

Segundo Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), autor da representação contra Demóstenes, se houver envolvimento do suplente com Cachoeira, ele também poderá ser investigado. "Ser ex-marido não é crime. O crime é se ele teve envolvimento na organização contraventora. Isso fatalmente irá aparecerá se tiver. E, logicamente, o Senado, se assim for, deverá novamente ser chamado para cumprir o seu dever. Não foi a relação pessoal que desabonou a conduta do senador Demóstenes. Não é a relação pessoal que é crime. O que é crime é mentir, é atuar de acordo com interesses de uma organização criminosa. Se isso for diagnosticado em relação ao suplente, poderá ser objeto de julgamento."

Após a sessão de cassação, Aécio Neves (PSDB-MG) disse que o resultado contribui para melhorar a imagem da Casa. "O Senado votou pela preservação da instituição. Cabe a nós, senadores, garantimos a respeitabilidade da instituição, as suas prerrogativas." Para Ana Amélia (PP-RS), a sessão foi "histórica, dolorosa e constrangida" e pesaria no julgamento a "necessidade de valorizar e defender o parlamento como instituição fundamental à democracia".

A votação foi secreta. Dos 81 senadores, apenas Clovis Fecury (DEM-MA) não votou. Está de licença, por motivo particular. Usaram a tribuna os relatores - Costa, de mérito, e Taques, que analisou a legalidade do processo no Conselho de Ética -, o advogado de Demóstenes, Antonio Carlos de Almeida Castro, Randolfe, autor da representação pedindo a cassação, o acusado e outros cinco parlamentares. Nenhum colega defendeu Demóstenes.

Costa citou as 97 ligações interceptadas pela Polícia Federal, realizadas por um aparelho Nextel dado a Demóstenes por Cachoeira, e 40 encontros entre os dois, entre março e agosto de 2011. Ele disse não acreditar que Demóstenes não sabia das atividades criminosas do empresário, tendo sido ex-secretário estadual de segurança pública, ex-chefe do Ministério Público e ex-integrante do CPI dos Bingos, que indiciou Cachoeira por seis crimes.

"Como não saber de suas atividades criminosas? Que amigo é esse que não procura saber como o outro se houve numa CPI de conhecimento de todo o Brasil? Perdoe-me, mas vossa excelência faltou com a verdade", disse. Para o relator, Demóstenes defendeu interesses de Cachoeira em vários órgãos do governo e vazou informações sobre operações policiais para protegê-lo.

O isolamento do ex-senador ficou patente nos últimos dias, quando ele discursava todos os dias para um plenário vazio. Ontem, Lobão Filho (PMDB-MA) era um dos únicos a admitir "profundas dúvidas" com relação ao processo. Terminada a sessão em que Demóstenes foi cassado, que durou pouco mais de três horas, não houve comemorações. Depois de deixar o plenário, o senador seguiu para o gabinete, reuniu a equipe, agradeceu o trabalho de todos e disse que agora era "bola pra frente". Segundo funcionários, ele não estava emocionado, mas abatido. Antes de Demóstenes, o Senado cassou em 2000 o mandato de Luiz Estevão, então no PMDB do Distrito Federal, sob a acusação de ter mentido à Casa ao negar envolvimento no desvio de R$ 169 milhões em obra do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

Em sua primeira manifestação pública depois da cassação, Demóstenes postou em sua página no Twitter. "Vou recuperar no STF [Supremo Tribunal Federal] o mandato que o povo de Goiás me concedeu", prometeu. (Colaborou Vandson Lima, de São Paulo)