Título: Empresas temem medidas de estímulo na Argentina
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/07/2012, Internacional, p. A10

A combinação de aperto no controle cambial com inflação em alta na Argentina é vista com muita de apreensão pelos empresários. "As empresas não sabem o que fazer. Como é possível calcular qual será o nosso retorno em um investimento, com uma inflação da ordem de 20%? No longo prazo, nenhuma conta fecha", comentou um empresário em uma reunião de trabalho de 25 empresas assessoradas por uma consultoria, à qual o Valor teve acesso, sob condição do anonimato.

No grupo de clientes dessa consultoria estão nove empresários nacionais, representantes de seis multinacionais, cinco bancos, dois governos locais e três entidades patronais.

Desde o final do ano passado, o governo da presidente Cristina Kirchner impôs uma série de restrições para a aquisição de moeda estrangeira, até então uma alternativa para reserva de capital. Na Argentina, as aplicações financeiras rendem muito abaixo da variação de preços, estimada extra-oficialmente entre 20% e 30%. O dado oficial de inflação, de menos, de 10%, é desconsiderado por todos os agentes econômicos do país.

Sem excedentes fiscais, o governo argentino retém os dólares no país para atingir um superávit comercial de pelo menos US$ 10 bilhões no fim do ano e tenta combater o desaquecimento da economia forçando as empresas a investir. Na semana passada, o Banco Central baixou uma resolução que obriga os bancos a oferecerem 5% de seus depósitos - equivalentes hoje a cerca de US$ 3,5 bilhões - para compras de bens de capital e reformas de imóveis, com taxas em torno de 15% e três anos de prazo.

Um programa de crédito imobiliário, o Procrear, foi lançado há duas semanas oferecendo o equivalente a US$ 4 bilhões para a construção civil. Os recursos virão da Anses, que administra a receita previdenciária dos fundos públicos e dos estatizados em 2008. É um caixa da ordem de US$ 46 bilhões, ou 10% do PIB argentino. Deste total, 14% está atualmente destinado para empréstimos a empresas, sendo 60% na área de energia e 30% na de infraestrutura.

Apesar da Anses se comportar como uma espécie de banco de fomento informal no país, a autarquia está longe de se descapitalizar. Segundo dados coletados pela consultoria, a Anses deve receber cerca de US$ 3,5 bilhões este ano a título de juros e contribuições. Em 2013, deve receber o equivalente a US$ 4,5 bilhões.

Os empresários que se reuniram ontem, contudo, apresentaram dúvidas sobre o sucesso da estratégia do governo Kirchner de baratear o crédito. "No Brasil, o governo está diminuindo a taxa básica de juros e exigiu do sistema financeiro a redução dos spreads, mas eles continuam operando com margem real. Temos projetos na prateleira para apresentar se conseguirmos taxas vantajosas, mas como podemos acreditar que margens negativas são sustentáveis?", indagou um dos presentes.

Os agentes econômicos na Argentina começam também a recear o que o governo poderia fazer para frear a inflação, além de não permitir uma variação cambial excessiva. A única certeza é que opções ortodoxas, como a redução de gastos públicos, estão fora de cogitação.

Um eventual congelamento ou tabelamento de preços foi mencionado como uma ameaça real. "Nós somos os homens maus, que repassam todos os custos que variam. Talvez eles decidam ir para cima de quem está atuando na formação de preços", opinou um empresário.