Título: O inesquecível 13 de janeiro, dia da desvalorização
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2006, Internacional, p. A15

Alguém sabe em que dia o Brasil desvalorizou sua moeda no começo do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso? Washington Burghi sabe. Para ele, o 13 de janeiro (de 1999) é inesquecível. "Não foi tão trágico quanto o 11 de setembro para um habitante de Nova York, mas também foi de surpresa e doeu muito", diz. Presidente da Câmara das Indústrias do Uruguai, Burghi é o principal porta-voz dos empresários descontentes com o Mercosul. "O Mercosul já foi a primeira opção. Nossa preferência agora é o mundo, e os Estados Unidos são sua primeira escala."

Fabricante de conservas, Bur-ghi perdeu o mercado brasileiro com a desvalorização. Seus colegas exportadores enfrentaram o mesmo drama. A desvalorização ocorreu sem consulta ou aviso prévio aos sócios do Mercosul. O presidente Julio María Sanguinetti viajou para Brasília em avião da Força Aérea - o Uruguai não tinha nem tem avião presidencial - e confirmou com FHC um fato consumado.

Em 1998, o Uruguai exportara mais de US$ 1 bilhão para o Brasil, quase 40% do total de suas vendas ao exterior. A partir daí, as vendas para o Brasil foram diminuindo, e o que era superávit virou déficit de US$ 350 milhões no ano passado, quando as exportações uruguaias chegaram a US$ 493 milhões (veja quadro ao lado).

O empresário não crê em mudanças substanciais nas práticas brasileiras. "A má vontade, a barreira extratarifária, usa o disfarce de burocracia." Caminhões com água mineral Salus, exemplifica, ficam retidos dez, doze dias na fronteira, a pretexto de falta de algum documento. "Nossos caminhões com vinho tanat chegam à fronteira e têm de esperar cinco dias para a liberação vir de Porto Alegre. No ano passado, o vinho chegou à fronteira em novembro e levou quase 45 dias para que a liberação acontecesse. Perdemos o movimento de Natal. Um uruguaio para estabelecer-se no Brasil precisa de sócio brasileiro. Um argentino, não. E o governo do Rio Grande do Sul cria regulamentos que praticamente inviabilizam a passagem do arroz uruguaio para os consumidores brasileiros mais ao norte."

Argentinos não são poupados. "Eles são menos sutis que vocês, brasileiros. Vão logo armando barricadas na fronteira, sob beneplácito e até aplauso das suas autoridades." Burghi diz que, quando da disputa brasileiro-argentina do ano passado sobre produtos industriais da chamada linha branca, houve um acordo "alheio ao espírito e à letra" do Tratado de Assunção, em prejuízo de uruguaios e paraguaios. "Quem bombardeia o Mercosul? Brasil e Argentina."

"Queremos chegar livremente com nossos produtos aos Estados Unidos, à China, à Índia, seguir o exemplo do México e do Chile, que multiplicaram exponencialmente suas exportações para os Estados Unidos. Dos Estados Unidos pretendemos atrair investimentos. Quem sabe uma grande multinacional não se instala aqui e exporta para o mundo todo, como aconteceu com a Intel, na Costa Rica?" (PT)