Título: Teles européias tentam sair da turbulência
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2006, Empresas, p. B4

Elas já percorreram o mundo como gigantes, carregando os nomes dos países onde nasceram. Mas oito anos após a liberalização do setor e cinco anos depois de uma crise financeira que levou algumas delas ao colapso, as grandes companhias de telecomunicações estabelecidas da Europa passam por momentos turbulentos. A crise é mais aparente na Telecom Italia: seu presidente do conselho de administração, Marco Tronchetti Provera, demitiu-se em 15 de setembro depois de uma disputa com o governo por causa de seus planos de reestruturação da endividada companhia. Ele foi motivado em parte pelo desejo de levantar dinheiro para o resto de seu império enfraquecido. Mas os problemas da Telecom Italia - crescimento lento na telefonia móvel, queda no principal negócio de telefonia fixa, a ameaça crescente das concorrentes iniciantes, dívidas enormes e a intrusão do governo - são comuns em companhias do setor de outros países que são tão grandes como ela.

"O lado econômico não está melhorando", diz Stephen Pentland, da consultoria Deloitte. As grandes companhias telefônicas, diz ele, vão gerar "níveis de lucros fundamentalmente mais baixos do que os vistos historicamente". Em resposta, essas grandes companhias adotaram estratégias bastante parecidas. No nível doméstico elas estão combinando serviços - telefonia fixa e móvel, acesso de banda larga à internet e televisão - para vender como um único pacote "convergido". E estão procurando o crescimento fora de seus países de origem, entrando em mercados estrangeiros por meio de suas operações de telefonia móvel e banda larga. O resultado, porém, é que eles estão finalmente começando a competir umas com as outras de maneira adequada - e desse modo estão sofrendo.

Na Alemanha, a Deutsche Telekom enfrenta a concorrência de um grande número de rivais que juntas tem 45% do mercado doméstico. Neste mês a Telecom Italia acertou a compra de uma delas, a AOL Germany, por 674 milhões de euros. A Deutsche Telekom perdeu 1 milhão de assinantes na área de telefonia fixa no primeiro semestre, e das 400 mil linhas de banda larga que ela ativou nos últimos 12 meses, mais de 95% foram para que suas rivais revendessem. Kai-Uwe Ricke, o presidente da companhia, anunciou este mês um plano de reestruturação que vai cortar custos e desenvolver seu braço de telefonia móvel nos Estados Unidos, a T-Mobile USA, que é vista como principal ativo da Deutsche Telekom, apesar de não ser um grande concorrente nos EUA.

A France Télécom também está com problemas - embora sua resposta esteja sendo mais agressiva. Ela relançou os serviços sob o nome "Orange" na França e em outros países. Com sua marca forte e o pacote de serviços de telefonia fixa, móvel e banda larga, a Orange representa uma ameaça para as companhias estabelecidas de outros países. Mas a concorrência doméstica está sendo brutal, com os rivais abocanhando cerca de 40% do mercado. A Neuf Cegetel, a segunda maior operadora, pretende listar 20% de suas ações na bolsa de valores em outubro; a Iliad, uma companhia iniciante bastante dinâmica, pretende investir 1 bilhão de euros em uma nova rede de fibras óticas nos próximos seis anos.

A Telefónica da Espanha parece estar indo contra a tendência: ela vem registrando um forte crescimento graças às aquisições realizadas. Nos últimos 18 meses ela comprou a O2, o ex-braço de telefonia sem fio da BT que opera em vários países da Europa, uma participação de 51% na operadora de telefonia nacional da República Checa e participações em operadoras da América Latina (onde consegue um terço das receitas). Em casa, a Telefónica enfrenta a competição das companhias de TV a cabo e da France Télécom, que no ano passado comprou a operadora de telefonia móvel Amena. Mesmo assim, ela mantém uma participação dominante de 66% do mercado de telefonia fixa e 69% do mercado de banda larga.

Como resultado, o preço das ações da Telefónica está se saindo relativamente bem. Mas a companhia tem uma vantagem sobre seus concorrentes: a lei espanhola permite que ela dê baixa de bens intangíveis contra os impostos quando faz aquisições, o que significa que ela pode se dar ao luxo de pagar mais que os rivais.

No Reino Unido, a BT está se saindo bem com a decisão de melhorar seu foco. Ela se concentra na venda de serviços de banda larga para os consumidores no mercado doméstico e para clientes pessoa jurídica fora do país. Ela melhorou seu lucrativo braço de serviços de computação. E acertou com as autoridades reguladoras a separação de unidade de serviços de sua divisão de rede, conforme a Telecom Italia está agora propondo - e as autoridades reguladoras gostariam que todas as telefônicas fizessem. E ela é uma das primeiras proponentes das redes "convergidas" de próxima geração, que custam menos para serem administradas. "A BT passou por uma reestruturação maciça, principalmente em sua mentalidade", diz Ben Verwaayen, presidente da BT. "Não tínhamos outra opção e eu acho que saímos por cima." Ao contrário de outras grandes companhias de telecomunicações, a BT não possui um braço de telefonia móvel, tendo se desfeito da O2 para reduzir suas dívidas. Ao invés disso, ela revende tempo de transmissão da Vodafone, a maior operadora de telefonia móvel da Europa.

A Telecom Italia já foi também tida como líder na convergência. Dois anos atrás ela pagou 20 bilhões de euros para assumir o controle total da Telecom Italia Móbile (TIM), sob o argumento que uma integração estreita entre as unidades fixa e móvel economizaria dinheiro e possibilitaria novos serviços. Mas ela mudou de idéia e agora está propondo o desmembramento da TIM para reduzir suas dívidas. Como a BT, ela poderá depois comprar capacidade móvel de outra operadora. Mas a possibilidade da TIM cair em mãos estrangeiras provocou protestos do governo, que ainda detém uma ação com poder de veto na Telecom Italia.

Romano Prodi, o primeiro ministro italiano. Chegou ao ponto de revelar as minutas de uma reunião com Tronchetti Provera, ocorrida em julho. Ao fazer isso, ele sinalizou aos potenciais compradores da TIM, que o governo é contra a venda. Esse gesto foi particularmente ultrajante porque Prodi, um ex-presidente da Comissão Européia era um crítico ferrenho do nacionalismo econômico.

Os governos da França e Alemanha, que controlam cerca de 30% de suas companhias de telecomunicações, também estão interferindo. O governo da Alemanha propôs conceder à Deutsche Telekom a isenção da necessidade de compartilhar sua nova rede de alta velocidade com as concorrentes, mas recuou depois de queixas das autoridades reguladoras européias. Na França, o governo é acusado pela Comissão Européia de dar um tratamento tributário preferencial à France Télécom equivalente a 1 bilhão de euros em subsídios ilegais.

Agora que as companhias de telecomunicações da Europa estão entrando umas nos mercados da outras, a competição vai se intensificar. Isso deverá ser bom para os consumidores, mas vai fortalecer a tendência à consolidação. Companhias maiores teriam mais força na negociação com os proprietários de conteúdo, observa Konstantinos Apostolatos, da consultoria Arthur D. Little Benelux. Mas com os governos tentando bloquear ofertas de aquisição estrangeiras de companhias de energia, em meio ao nacionalismo econômico latente na Europa, as possibilidades de consolidação das teles parecem fracas. Portanto, os dinossauros continuam se arrastando.