Título: Indústria puxa perda de fôlego do investimento no 1º semestre
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2012, Especial, p. A14

O cenário externo adverso, a situação delicada de boa parte da indústria e a perspectiva de crescimento mais fraco da demanda afetaram o investimento na primeira metade do ano. De janeiro a junho, foram anunciados 804 projetos de investimento no Brasil, 5,4% a menos que os 840 registrados no mesmo período do ano passado, segundo levantamento do Bradesco. A queda só não foi mais forte por causa de um aumento expressivo no número de anúncios em junho (ver ao lado).

A maior parte dos anúncios do semestre - 57,3% - se concentra nos setores de serviços e comércio, com a indústria respondendo por 38,3% do total - os outros 4,4% são da agroindústria. Nesse quadro negativo, o volume de investimentos estrangeiros para atividades produtivas também perdeu fôlego, ficando em US$ 23,3 bilhões no período de janeiro a maio, 13,7% a menos que nos primeiros cinco meses de 2011.

O investimento foi abalado por um cenário bastante difícil nos últimos meses, com um quadro externo muito delicado, ressalta o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, apontando especialmente a crise no setor industrial. Segundo ele, essa crise na indústria é "absolutamente global e generalizada", marcada pela sobreoferta de produtos manufaturados. Isso diminui a perspectiva de crescimento do mundo e também do Brasil.

Com a maior ociosidade na indústria - que amarga recuo de 3,4% na produção acumulada de janeiro a maio -, diminui o apetite e a necessidade de se investir na ampliação da capacidade produtiva. Em 2006, 51,6% dos projetos anunciados eram do setor industrial, percentual que recuou para 36,5% em 2011 e ficou nos mencionados 38,3% na primeira metade deste ano, segundo o levantamento do Bradesco.

Segundo Barros, os empresários estão numa fase de recalibrar expectativas, depois de terem "acalentado projeções feitas em um mundo "meio sem crise", no qual o Brasil parecia quase imune" a qualquer turbulência. Havia companhias acostumadas a ver o faturamento crescer a um ritmo próximo de 20% ao ano, e agora veem um ritmo de expansão abaixo de 10%, exemplifica ele. Dos investimentos anunciados no primeiro semestre, 59,5% se referem a projetos novos, 33% a ampliação e 7,5%, a modernização. Em 2011, a fatia dos projetos novos foi maior, atingindo quase 70%.

Os investimentos estrangeiros diretos tampouco mostram um quadro dos mais favoráveis. O presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização (Sobeet), Luís Afonso Lima, estima que o número neste ano ficará em US$ 50 bilhões, valor ainda expressivo, mas 25% inferior aos US$ 66,7 bilhões do ano passado. Para ele, a piora do cenário externo, marcado por baixo crescimento e incerteza em relação ao futuro da zona do euro, tem peso importante para a desaceleração dos investimentos estrangeiros diretos, mas também há um papel relevante relacionado às perspectivas mais fracas para o crescimento do país.

Segundo Lima, dimensão e expansão do mercado são dois fatores cruciais na atração do dinheiro externo para atividades produtivas, e o Brasil hoje parece oferecer menor dinamismo econômico. Além disso, o país também perdeu apelo como plataforma de exportação para a América Latina e para os EUA, diz Lima.

De janeiro a maio, o fluxo para a indústria ficou em US$ 10,3 bilhões, 44% a mais que no mesmo período de 2011, mas mais da metade concentrado em apenas dois setores - US$ 3,306 bilhões em metalurgia e US$ 1,994 bilhão em produtos alimentícios.

Para Lima, dado os problemas de competitividade da indústria de manufaturados, os setores da economia brasileira mais atraentes para o investimento das empresas estrangeiras são os voltados ao mercado interno e os ligados a commodities - ainda que o resultado desses cinco primeiros meses mostre uma queda forte no fluxo de investimentos para serviços, de mais de 50%, para US$ 7,5 bilhões. Em 2011, porém, o fluxo do setor foi engordado pela operação de US$ 5 bilhões no setor de telecomunicações, referente à compra de uma participação na Oi pela Portugal Telecom.

Os analistas também destacam que alguns fatores específicos derrubaram o investimento neste ano. O chefe do departamento econômico do BNDES, Marcelo Nascimento, lembra especialmente a questão dos caminhões, classificados como bens de capital. Em 2011, houve uma antecipação da compra e da fabricação desses bens, porque em 2012 entrou em vigor a norma Euro 5, que exige motores menos poluentes. Isso derrubou com força a produção de caminhões neste ano, o que se reflete no tombo de quase 16% da categoria equipamentos de transporte dos bens de capital, registrado no acumulado de janeiro a maio. "Os equipamentos de transporte têm peso de 16% a 20% na formação bruta de capital fixo, dependendo de como isso é calculado", afirma ele.

Barros também aponta o impacto negativo sobre o investimento da implantação muito rápida do Euro 5, enumerando outros fatores que contribuíram para o Brasil ter um desempenho pior do que o de outros mercados emergentes neste ano. A crise no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) travou investimentos no setor; o excesso de oferta provocou problemas no setor de construção residencial; a produção e o refino ficaram estagnados na Petrobras; a crise argentina diminuiu as exportações de manufaturados; houve problemas com bancos pequenos e médios; o endividamento do setor sucroalcooleiro reduziu a produção de cana-de-açúcar; e uma seca pesada atingiu o Sul e o Nordeste.

O economista do Bradesco estima que, no segundo trimestre, o investimento deve cair 1,9% em relação ao mesmo período de 2011. Na comparação com o trimestre anterior, deve haver alta de 1%, feito o ajuste sazonal, projeta ele. Barros pondera, contudo, que essa eventual expansão ocorrerá após três trimestres de quedas seguidas, período em que a formação bruta de capital fixo recuou 3%. Para o ano, ele espera um crescimento de 1% para o investimento.

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, é mais pessimista, esperando contração de 1,1% do investimento em 2012. Além do cenário externo adverso, Vale acha que, além da piora da crise europeia, um problema que atrapalha os projetos produtivos no Brasil é a falta de reformas que reduzam o custo das empresas.

Segundo ele, os países da América Latina que têm mostrado um melhor desempenho num cenário de crise externa são aqueles que têm mantido "um padrão contínuo de reformas", como Chile, Colômbia e Peru. "Para o investimento, o sinal que os três países dão é de que a continuidade das reformas fará com que os custos das empresas caiam vez mais. No caso brasileiro, não há nada nesse sentido", diz ele, criticando a "insistência do governo em pacotes de curto prazo que não resolvem nada", o que não estimula as companhias a investir.