Título: Próximos passos
Autor: Camba, Daniele e Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2006, EU & Investimentos, p. D1

A ação da Arcelor Brasil refletiu ontem a vitória dos minoritários com a decisão favorável da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A autarquia manteve a posição da sua área técnica, determinando que a indiana Mittal Steel faça uma oferta pública de ações (OPA) aos acionistas brasileiros da controlada. A ação ordinária (com direito a voto) subiu 7,1% ontem, frente a uma alta de 2,4% do Ibovespa. No entanto, a alta foi sinal claro de que o papel passou a oscilar mais no mercado, ao menos até a definição do valor que a Mittal pagará pelas ações na oferta.

A empresa tem 30 dias corridos para registrar a OPA aos minoritários da Arcelor Brasil na CVM. Contudo, a empresa poderá, antes disso, procurar a Justiça comum para questionar a decisão e protelar o fim do caso. Alguns já dão como certo que a Mittal recorrerá contra a decisão. "Acho praticamente impossível a empresa não discutir a validade desse pagamento, uma vez que ele envolve bilhões de dólares", diz o sócio do escritório de advocacia Levy & Salomão, Eduardo Boulos. Analistas do mercado também não prevêem o encerramento do caso para breve.

A multinacional confirmou ontem que foi informada da decisão da CVM, está analisando em detalhes a decisão da autarquia e avaliando suas opções. Segundo a nota da multinacional, a decisão não afeta "a bem-sucedida parceria e integração em andamento da Arcelor e Mittal". A Arcelor Brasil não se manifestou, alegando se tratar de decisão a ser tomada pela Mittal.

A expectativa do BNDES, que possui 1,2% das ações da Arcelor Brasil, é que a Mittal venha conversar com os grandes acionistas da sua controlada e apresente o modo como vai reagir à decisão da CVM. O BNDES espera que a Mittal se posicione e procure-o, além de outros grandes minoritários, como Previ (4,6% do capital da Arcelor Brasil), Centrus (2,8%) e Dynamo (0,85%), assim como Lakshimi Mittal, seu presidente, visitou o Brasil antes da decisão da CVM.

Se ignorar a determinação da autarquia sem recorrer ao Judiciário, a Mittal estará sujeita a um processo administrativo sancionador, conforme previsto na Lei 6385/76, que criou a CVM. As sanções, no caso, vão de advertência e multa até a inabilitação dos administradores. O abuso de poder de controle é considerado pela 6385/76 uma infração grave. Mas, se a Mittal será enquadrada ou não neste tipo de infração, vai depender da análise de um potencial relator do processo administrativo.

Cenários traçados por fontes de mercado que acompanham o desenrolar dessa briga avaliam que a maior probabilidade é a Mittal recorrer à Justiça contra o órgão regulador, ainda que apenas para ganhar tempo para bancar o prejuízo. A Mittal faturou US$ 28 bilhões e lucrou US$ 3,3 bilhões em 2005 e, portanto, não estaria disposta a facilmente bancar cerca de US$ 5 bilhões aos minoritários.

Se perder no Judiciário, como pode vir a acontecer, começará um novo round desse confronto, agora em torno da decisão sobre o preço oferecido pela compra das ações. "Isso pode levar um bom tempo e ser tema de novas disputas entre controladores e minoritários", diz Luiz Alberto Binz, analista da corretora Geração Futuro. A multinacional deverá contratar bancos de primeira linha para avaliar o valor econômico da Arcelor Brasil e, com base nele, fixar um preço para as ações. O valor de mercado da Arcelor Brasil, até segunda-feira, quando a ação estava na casa dos R$ 36, ficava na faixa de US$ 10 bilhões. Um terço disto está nas mãos dos minoritário, ou cerca de US$ 3,5 bilhões.

Se a oferta da Mittal tiver como base uma avaliação de bancos que calculem um valor menor para a ação - algo próximo de R$ 36 - os minoritários pensariam duas vezes antes de entrar na OPA ou vender o papel no mercado. Antes disso, os minoritários também contratarão seu avaliador para se contrapor ao valor fixado pelos bancos da Mittal. É provável que esta avaliação alcance algo entre R$ 49 e R$ 50, estimado como preço justo da ação pelas gestoras como a Dynamo, levando em conta o preço da ação em janeiro e um prêmio de 80%, igual ao ofertado aos acionistas no exterior.

No caso de nova batalha em torno do preço da OPA, a decisão poderá ser encaminhada a uma câmara de arbitragem que possivelmente indicaria um valor intermediário entre o pedido por acionistas e o oferecido pelos controladores. Se a OPA for bem-sucedida, no entanto, haveria um caminho para a Arcelor fechar o capital no país, avalia Binz, da Geração.

Apesar da alta volatilidade do papel a partir dessas disputas, analistas seguem otimistas com relação à ação ON da Arcelor Brasil. Embora ainda exista uma série de variáveis imponderáveis, Jander Medeiros, sócio do Pactual, estima em cerca de 20% o ganho para o papel em relação ao fechamento de ontem caso a OPA saia da forma pretendida pelos minoritários. Um ganho parecido ao obtido se a oferta levar em conta o valor justo da empresa, calculado pela Fator Corretora, e que significaria R$ 44,20 por ação e alta de 20,44%.