Título: Pressão por pacote na Rodada de Doha
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 01/12/2004, Brasil, p. A2

Os primeiros sinais na retomada das negociações da Rodada de Doha na Organização Mundial do Comércio (OMC) são de que os países desenvolvidos realmente decidiram contra-atacar nas longas negociações sobre redução de subsídios à agricultura. Estados Unidos, Canadá e Europa devem aumentar nos próximos meses a pressão sobre o Brasil para redução de tarifas sobre importação de produtos industrializados e maior abertura em serviços, em contrapartida às negociações sobre subsídios agrícolas. As primeiras vitórias na OMC em processos contra mecanismos de protecionismo agrícola, como o programa de apoio ao algodão nos Estados Unidos, provocaram uma mobilização entre os diplomatas dos países mais ricos para tentar barganhar mais contrapartida de países em desenvolvimento de renda média (Índia, Brasil, África do Sul, China) em concessões relativas a produtos agrícolas. Um dos negociadores dos países desenvolvidos diz que não haverá chances para um "free ride", ou seja, os países ricos exigirão contrapartida em serviços e bens industriais. Para um diplomata brasileiro, isso não é um problema para o Brasil. "Se o pacote agrícola for bom, não há problemas em fazer uma boa oferta em bens e serviços", diz. O Brasil tem questionado as modalidades de negociação de bens industriais, como propostas de tarifas uniformes para setores inteiros (por exemplo, redução a zero no setor siderúrgico). Os maiores "free riders", segundo a fonte, são outros integrantes do Grupo dos 20, como Índia, que resistem mais à redução de tarifas em bens industriais. O discurso do representante americano em Genebra esta semana avaliando o regime comercial brasileiro exemplifica a postura. Os EUA pedem mais abertura dos setores de telecomunicações e bancário e combate à pirataria. Os EUA também questionam a tarifa de importação de 60% aplicada a compras por correio, independente do tipo de produto, medidas fitossanitárias e burocracia para obter licenças de importação. Diplomatas brasileiros consideram que as vitórias na OMC dão alavancagem ao Brasil e ao G-20 nas negociações na Rodada de Doha, no sentido de que os países sabem que vão perder contenciosos, o que cria incentivo à negociação. Até agora, o Brasil não obteve resultados concretos questionando subsídios agrícolas em termos de abertura de novos mercados ou redução de barreiras para entrada de seus produtos, porque a maior parte dos processos ganhos na OMC está em fase de apelação e não provocou redução voluntária de mecanismos protecionistas.

Concessões em troca de negociação agrícola

Segundo outra fonte, envolvida diretamente na negociação de questões agrícolas, a atitude americana em relação aos subsídios ficará clara a partir de 2005. "Em janeiro começa a discussão para a renovação da 'farm bill' e será interessante ver se o total de subsídios será mantido", lembra a fonte. A "farm bill", criada em 2000, aumentou exponencialmente os subsídios a agricultores de determinadas culturas, e expira em 2006. Numa visita ontem ao Canadá, maior parceiro comercial dos EUA, o presidente reeleito George Bush disse durante uma entrevista coletiva que está comprometido com a redução de subsídios agrícolas. Mas a prática de seu primeiro mandato diferiu expressivamente do discurso de livre comércio, levando em consideração questões políticas. Além da "farm bill", seu governo criou salvaguardas para importação de aço, prolongou a proibição à importação de carne do Canadá e não avançou significativamente na abertura de mercados locais. "A longo prazo deve haver uma redução destes programas, que estão tornando-se caros demais e excessivamente concentrados em grandes receptores, mas o ritmo político pode determinar uma redução mais lenta", diz . Bush não precisa tanto atender a interesses políticos porque não terá uma campanha eleitoral à frente, embora não possa ser muito rápido para não prejudicar o projeto político do se partido. Não se vê a médio prazo redução de protecionismo às culturas que não são mundialmente competitivas, como leite, açúcar e amendoim. Mas há uma chance maior em milho, trigo, algodão e soja. Um dos mais importantes sinais em relação à política comercial do segundo mandato será a conduta do governo em relação ao fim das cotas mundiais para produtos têxteis, prevista para o início do ano que vem. Existe a possibilidade de adoção de salvaguardas visando atingir principalmente os produtos chineses. Bush foi perguntado sobre a proibição de importação de carne e gado vivo do Canadá após a visita ao primeiro-ministro Paul Martin ontem. Bush disse entender a "frustração" dos canadenses e prometeu "resolver a questão o mais rápido possível", culpando a burocracia pela demora na reabertura de importações. Espera-se a liberação da importação nos próximos meses. O Canadá teve um caso de vaca louca há quase três anos, e até agora os EUA não retomaram as compras- em parte por pressão da indústria americana de carnes, que perdeu mercados no exterior desde o surgimento de casos de vaca louca no país em 2003.