Título: Impasse sobre as cotas de frango para a UE
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2006, Agronegócios, p. B13

As negociações entre o Brasil e a União Européia sobre as cotas para as exportações brasileiras de peito de frango salgado e frango e peru industrializado ao bloco sofreram um recuo, ontem, na Organização Mundial do Comércio (OMC).

O impasse foi provocado pela recusa da UE em aplicar as próprias leis européias sobre transparência na administração das cotas de exportação. A situação foi qualificada de "colonialismo moderno nas relações comerciais" pelo presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Frango (Abef), Ricardo Gonçalves.

A negociação bilateral ocorre porque a UE, obrigada a baixar suas tarifas para o peito de frango salgado após uma derrota sofrida na OMC, resolveu frear a entrada dos produtos impondo restricões quantitativas. Para isso, precisa compensar seus principais fornecedores de frango, que são o Brasil e a Tailândia.

Assim, uma parte das exportações entrará com tarifas menores dentro de cotas determinadas e o resto terá alíquotas mais pesadas, o que desestimularia as vendas ao bloco europeu.

Na verdade, as posições do Brasil e da UE se aproximaram sobre os volumes das cotas. A UE oferece 322 mil toneladas para os três produtos (peito de frango, frango industrializado e peru industrializado), enquanto o Brasil pede 360 mil toneladas com base nas regras da OMC. O volume de negócios, pelos preços atuais, é estimado em cerca de US$ 600 milhões.

A grande dificuldade da negociação agora é em relação à transparência na administracao das cotas. Os produtores brasileiros querem ter a certeza sobre o montante exportado que entra na UE com tarifa menor, e o que entra como extra-cota. Nessa diferença, estão em jogo dezenas de milhões de dólares.

Sem a transparência nas operações, o exportador brasileiro está sujeito a dar desconto pedido pelo importador para cobrir o custo de 1.024 euros que representa a tarifa extra-cota. Ocorre que, quando vai desembarcar o produto em portos como Amsterdã ou Hamburgo, o importador tem a possibilidade de usar os certificados de cotas para pagar menos e ganhar 1 euro a mais por quilo.

Na Europa, existem intermediários que abrem dezenas de companhias para obter esses certificados de cotas e embolsam milhões de dolares s custas de produtores estrangeiros submetidos às barreiras de Bruxelas.

A Comissão Européia parece querer alterar esse quadro e adotou nova regulamentação no último dia 31 de agosto sobre a administração de cotas. Uma das novidades é justamente que aceitará que um país exportador dê certificado de forma que saiba o que está vendendo dentro da cota.

Mas na rodada de negociações realizada na terça-feira e ontem na OMC, a União Européia não quis se comprometer a utilizar esse mecanismo com os brasileiros. "Parece incrível, mas a UE quer negociar a aplicação de sua própria lei", espantou-se um negociador brasileiro, observando que Bruxelas beneficia o intermediário, não o produtor europeu de frango, que concorre com o Brasil.

No ano passado, o Brasil exportou 380 mil toneladas de carne de frango e peru para a UE, tudo em bases mais claras: sem as cotas, todo mundo sabe o montante da alíquota e não há suspeita de que o intermediário ganha mais, em detrimento dos produtores brasileiros.

Na Europa, nao há harmonia sobre o novo sistema de cotas. Uma associação de vendedores de frangos congelados na Grã-Bretanha prepara-se para contestar em Bruxelas as restrições quantitvas à entrada de produtos importados, segundo informações que chegaram aos brasileiros.

Já a Holanda e a Alemanha, países produtores de frangos, estariam fazendo uma campanha contra o produto brasileiro num nível considerado "no limite" do aceitável. Na Holanda, um jornal chamou pejorativamente o produto brasileiro de "frango Copacabana", com a intenção de questionar o controle sanitário no país.

O ambiente na negociação bilateral mudou e ficou mais azedo. Os brasileiros querem evitar perdas futuras maiores. Exemplificam com o caso do frango congelado, cujas exportações vêm crescendo 22% em média por ano. Com as cotas na Europa, essa expansão fica bloqueada no velho continente por vários anos, e o volume de negócios perdido é significativo. Sem transparência nas cotas, a fatura piora.

"Os europeus querem ganhar na negociação bilateral o que não conseguiram no painel da OMC, mas isso não é aceitável de jeito nenhum", afirmou um negociador. "Não estamos brigados nem reconciliados", acrescentou Ricardo Gonçalves, presidente da Abef. "O futuro da negociação está no lado dos europeus".

Os dois lados partiram de Genebra sem fixar nova reunião. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, voltara a intervir junto ao comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson. O Itamaraty não descarta a abertura de processo na OMC para obter a compensação que julga mais adequada com com base nas regras da entidade.