Título: Ganhos do Brasil com adesão da Venezuela ainda são incógnita
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 09/07/2012, Especial, p. A10

Decidida mais com argumentos "políticos" que "jurídicos", como revelou o presidente do Uruguai, José Mujica, a entrada da Venezuela no Mercosul terá efeitos econômicos que dependerão das condições a serem oferecidas pelo país quando oficializar seu ingresso, no dia 31. Só nessa data, segundo esperam os demais governos do bloco, a Venezuela definirá como vai adotar a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, que poderá encarecer produtos importados da China e Estados Unidos pelos venezuelanos, em favor principalmente das mercadorias vendidas pelo Brasil. E, ainda assim, restrições a importações de empresas brasileiras preocupam, na Venezuela, como na Argentina.

Depois de um período de retração, com a queda nos preços do petróleo, a Venezuela voltou a aumentar vigorosamente suas compras de bens manufaturados brasileiros, mas ganham espaço na pauta de exportações bens semimanufaturados e básicos, de menor valor agregado, como carnes e bovinos vivos. Entre 2002 e 2010, o desempenho exportador brasileiro teve ritmo insuficiente para evitar que o Brasil perdesse espaço para competidores como a China e até os Estados Unidos, inimigo declarado do presidente venezuelano, Hugo Chávez.

As vendas brasileiras de manufaturados, em termos absolutos, cresceram 25% no ano passado em relação a 2010 e quase 54% neste ano, de janeiro a maio, em comparação com o mesmo período de 2011. Os dados obtidos pelo governo brasileiro indicam que os EUA têm mantido uma fatia em torno de 30% das compras de bens importados pelos venezuelanos, enquanto a China, entre 2006 e 2010, mesmo durante a crise, ampliou de quase 7% para 12% o espaço ocupado na lista de compras da Venezuela. Nesse período, o Brasil fez o percurso inverso, e caiu do segundo lugar, com 10% das vendas, para o terceiro, com pouco mais de 6%.

A adesão da Venezuela à Tarifa Externa Comum do Mercosul deve reduzir a desvantagem competitiva do Brasil e ampliar o mercado, defende o governo. "O comércio da Venezuela é muito diversificado, e grande parte dos eletrodomésticos da linha branca vinha dos Estados Unidos", comentou o assessor internacional da presidência, Marco Aurélio Garcia. "Sou ideológico quando quero ampliar o mercado brasileiro e oferecer aos países da região segurança energética que a Venezuela pode oferecer", ironizou o assessor. "Pragmático é quem quer impugnar o acordo por razões de ordem política?"

Os ganhos com a adesão do país ainda são incertos, porém, porque, além de controles diretos sobre importações, por meio dos instrumentos de câmbio, a Venezuela não definiu, até hoje, como aplicará as regras comerciais do Mercosul a seu comércio externo. Após assinar o protocolo de adesão ao Mercosul, em 2006, a Venezuela havia se comprometido a apresentar, no máximo até setembro de 2007, a lista de produtos a ter sua tarifa ajustada à Tarifa Externa Comum, mas já adiantava que, nos primeiros três anos, não mais de 26% das mercadorias teriam alíquotas de imposto de importação iguais aos dos parceiros do bloco após quatro anos.

Os prazos não foram cumpridos e, no ano passado, os venezuelanos nem sequer se reuniram ao grupo de trabalho criado para o tema, alegando a demora na aprovação do ingresso do país - ratificada pelo Congresso brasileiro só em 2010 e bloqueada no senado paraguaio. A Venezuela quer também exceções à tarifa externa, de até 7,7% do total dos produtos que comercializa.

Fortemente dependente do petróleo, a economia venezuelana é sujeita a controles cambiais e de comércio. O principal deles é a administração da compra de divisas estrangeiras feita pela Comissão de Divisas Estrangeiras (Cadivi), que exige a contratação de um operador de câmbio para obter os dólares necessários ao pagamento de fornecedores. O controle das divisas chegou a paralisar exportações de produtos brasileiros há dois anos. Após interferência direta do Itamaraty, os produtos com atrasos de pagamento hoje não chegam a 5% do total vendido, segundo o Ministério do Desenvolvimento.

Nem a venda de alimentos ao próprio governo venezuelano está livre de surpresas, como descobriram os exportadores brasileiros de frango, que tiveram de recorrer à diplomacia para obter as necessárias licenças. A entrada dos venezuelanos no Mercosul pode facilitar essa discussão de governos, defendem as autoridades brasileiras.