Título: Bloco econômico incorpora a rixa política
Autor: Murakawa , Fabio
Fonte: Valor Econômico, 09/07/2012, Especial, p. A10

O presidente Federico Franco prometeu não retirar o Paraguai do Mercosul, deixando a decisão para seu sucessor

Até recentemente um "clube de amigos", o Mercosul terá que conviver no futuro próximo com um novo elemento: a rixa política entre seus associados. A mudança ocorre na esteira da suspensão do Paraguai, seguida da adesão da Venezuela, que ainda não havia sido ratificada pelo Congresso paraguaio. Analistas e diplomatas ouvidos pelo Valor alertam para o risco de politização do bloco, criado para promover a integração econômica de seus sócios.

A Venezuela chega ao Mercosul rompida com o Paraguai. Irritado com a deposição de Fernando Lugo, em 22 de junho, o presidente Hugo Chávez cortou o envio de petróleo ao país e acusou senadores paraguaios de pedir-lhe suborno para aceitar a adesão venezuelana.

O Paraguai, por sua vez, acusou o chanceler venezuelano, Nicolas Maduro, de tentar insuflar uma rebelião militar contra a saída de Lugo e declarou persona non grata o embaixador venezuelano em Assunção. Além disso, os desdobramentos da crise política e a reação dos vizinhos alimentaram ainda mais o questionamento de alguns setores da sociedade paraguaia acerca dos benefícios de ser um membro do Mercosul. A suspensão do bloco, por uma cassação que os paraguaios consideram constitucional, seguida da adesão da Venezuela à sua revelia, deixou feridas que devem, no mínimo, demorar para cicatrizar.

"Não vai ser um processo fácil daqui por diante, pela forma com que o Paraguai foi suspenso do Mercosul e também a incorporação da Venezuela como membro do bloco, sem que o Paraguai tenha aprovado", disse César Barreto, que foi ministro da Fazenda durante o governo de Nicanor Duarte (2003-2008), antecessor de Lugo. "Tudo isso repercutiu muito negativamente no Paraguai."

Segundo ele, os paraguaios estão "surpresos" com a postura do Brasil - maior economia do Mercosul e que deu seu aval à suspensão - e desgostosos com declarações como a proferida pelo presidente do Uruguai, José Mujica. Ele acusou parlamentares do Partido Colorado, maioria no Congresso, de ter ligações com o narcotráfico.

Para Barreto é grande o sentimento na iniciativa privada de que o país deveria deixar o Mercosul. "Este é claramente um dos momentos mais tensos que eu já presenciei no Mercosul. E nós estamos considerando todas as opções", afirmou. "A chance de que o Paraguai esteja no Mercosul daqui a dois anos é inferior a 50%."

Na sexta-feira, o presidente do Paraguai, Federico Franco, negou que o país deixará o bloco, pelo menos durante seu mandato, que termina em agosto do ano que vem. "Não tomaremos nenhuma decisão que possa hipotecar o futuro do país", afirmou.

Uma fonte do governo brasileiro, falando sob a condição de anonimato, disse que a tendência é o Paraguai expressar agora a sua insatisfação de uma maneira mais aguda, a fim de obter mais vantagens econômicas em negociações futuras dentro do bloco. "Ainda que haja empresários descontentes, o setor político dirigente do Paraguai tem uma ideia clara da importância do Mercosul e do peso do Brasil para o Paraguai", disse.

Também para Eduardo Viola, professor titular de Relações Institucionais da Universidade de Brasília (UnB), uma saída do Paraguai do Mercosul "é possível, mas não provável". "É mais provável que Brasil, Venezuela, Uruguai e Argentina consigam cooptar o Paraguai, aumentando benefícios comerciais, para que o país não saia do bloco", afirmou.

Para ele, o Paraguai tem poucas opções fora do Mercosul, principalmente por suas fortes ligações com o Brasil. "O capitalismo paraguaio são os brasilguaios", disse ele, referindo-se aos cerca de 340 mil brasileiros responsáveis por 70% da produção de soja, principal produto de exportação do país. "Qual outro caminho, senão o Mercosul, para um país mediterrâneo de economia limitada?"

Ainda que conseguisse uma saída ao mar, nem mesmo a China seria uma opção para as exportações do Paraguai, um dos únicos países a reconhecer Taiwan, que os chineses têm como uma província rebelde. "O Paraguai não pode desfazer seus laços com o Brasil e virar parceiro de Taiwan", afirmou José Botafogo Gonçalves, ex-embaixador do Brasil na Argentina e vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Para Viola, da UnB, a chegada da Venezuela torna o Mercosul "mais bolivariano", reforçando a linha ideológica da Argentina de Cristina Kirchner. Deixa também o bloco mais longe de acordos comerciais com Israel, por exemplo, com quem Caracas não mantêm relações, e com a Europa. Em sua opinião, a luz no fim do túnel, em termos de pacificação política do bloco, está em uma vitória do candidato de oposição venezuelana à Presidência, Henrique Capriles. As eleições ocorrem em 7 de outubro.